ARTIGO - "SEGREDOS NORMATIVOS DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO" - POR LOURIVAL DA SILVA RAMOS JÚNIOR*


Paula Brito - 05/01/2024

INTRODUÇÃO

A união estável teve alterações importantes na legislação brasileira, a exemplo da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73) e do Prov. n° 37/2014, do Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CN-CNJ), posteriormente revogado pelo Prov. n.º 149/2023 do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). O objetivo deste trabalho será fornecer critérios interpretativos aos textos sobre união estável voltados à prática jurídica, encetando uma reflexão não apenas do próprio texto em si, mas também fornecer elementos para se chegar aos limites interpretativos do texto. “O problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, (...), mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos (...)” (NEVES, 1993, p. 84). Eis aí a novidade deste trabalho em relação aos demais: “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (FOUCALT, 2005, p. 26). Nesse contexto, fez-se um trabalho em tópicos, com letras coloridas para facilitar a compreensão dos textos sobre união estável, de maneira que os leitores tenham (ou desenvolvam) um critério prático normativo adequado aos problemas concretos de sociedade conjugal ou de companheiros.

LEI DE REGISTROS PÚBLICOS E A UNIÃO ESTÁVEL

Lei n.º 6.015/73 alterada pela Lei n. 14.382/2022 Art. 57, §§ 2º e 3º-A: mudança de nome na união estável Art. 67: residência de um dos nubentes Art. 70-A: conversão da união estável em casamento Art. 94-A: registro da união estável Art. 94-A, § 2º: união estável no estrangeiro registrável no Livro E do Registro Civil de Pessoas Naturais - RCPN, quando algum dos companheiros seja brasileiro e tem ou tenha tido sua última residência no território nacional Art. 94-A, § 3º: registro de atos de união estável lavrados no estrangeiro, deverão ser legalizados ou apostilados e acompanhados de tradução juramentada

NORMAS DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

Prov. n° 37/2014, do CNJ, alterado pelo Prov. n° 141/2023, do CNJ, foi a primeira regulamentação da CN-CNJ sobre o termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável lavrado perante o registro civil das pessoas naturais (RCPN), sobre a alteração extrajudicial do regime de bens na união estável e sobre a conversão da união estável em casamento. Em seguida, essa normativa do Prov. 37/2014 do CNJ foi revogada pelo Prov. 149/2023 do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), cujas normas são as seguintes:

- Da Seção I – Do Registro da União Estável – arts. 537 até 546

- Da Seção II – Da Alteração de Regime de Bens na União Estável – arts. 547 até 548

- Da Seção III – Da Conversão da União Estável em Casamento – arts. 549 até 552

- Da Seção IV – Do Procedimento de Certificação Eletrônica da União Estável – art. 553

FORMAS SOLENES DA UNIÃO ESTÁVEL

A união estável será formalizada de três maneiras (art. 94-A da Lei n.º 6.015/73, alterada pela Lei n.º 14.383/2022): 1) sentença judicial; 2) escritura pública; e 3) termo declaratório do registro civil de pessoas naturais - RCPN.

FORMAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL NO RCPN

Art. 538 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra:

i) termo declaratório de reconhecimento e de dissolução da união estável;

ii) escrito por ambos os companheiros perante o ofício de RCPN de sua livre escolha;

iii) escolha do regime de bens;

iv) declaração de inexistência de lavratura de termo declaratório anterior;

v) informações de identificação dos termos do item “i” deverão ser inseridas na CRC; e vi) certidão do item “i” é título hábil à formalização da partilha de bens realizada no termo declaratório perante órgãos registrais

REGISTRO DA UNIÃO ESTÁVEL

I) Será registrada no Livro “E” do RCPN em que os companheiros têm ou tiveram sua última residência (art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra); e

II) Será registrado no Livro “E” do cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária de cada comarca (art. 33, parágrafo único, da Lei n.º 6.015/73).

NATUREZA ADMINISTRATIVA

i) CASAMENTO é um ato administrativo complexo (art. 1.514 do Código Civil - CC), pois depende da união da vontade do juiz de paz (singular) + nubentes (colegiado);

ii) UNIÃO ESTÁVEL é um ato administrativo simples (art. 538 do Prov. 149/2023 do CNN/ CN/CNJ-Extra), pois depende apenas da vontade dos companheiros (colegiado); e

iii) CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO também é um ato administrativo simples (Art. 70-A, §§ 4º e 7º, da Lei n.º 6.015/73), pois não depende da vontade do juiz de paz, ao contrário do casamento civil (art. 1.514 do Código Civil - CC).

Embora diferente a união estável do casamento, a tutela especial do direito de família pode ser equivalente aos dois institutos jurídicos, como diz o enunciado 97 da I Jornada de Direito Civil: “No que tange à tutela especial da família, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situação jurídica que envolve o companheiro, como, por exemplo, na hipótese de nomeação de curador dos bens do ausente (art. 25 do Código Civil)1 ”.

PROIBIDAS UNIÕES ESTÁVEIS PARALELAS OU SIMULTÂNEAS

Em virtude da consagração da monogamia e dos deveres de fidelidade e lealdade, como princípios orientadores das relações afetivas estáveis e duradouras, não é permitido “(...) união estável de terceiro com pessoa casada não separada de fato ou de uniões estáveis paralelas (...)” (REsp 1.157.273/RN e REsp 1.348.458/MG citados no REsp n. 1.974.218/AL, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 11/11/2022)

Nesse contexto, e nos termos do caput do art. 538 c/c o seu § 5º, ambos do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra, determina a declaração de inexistência de lavratura de termo declaratório anterior por ambos os companheiros perante o ofício de registro civil das pessoas naturais, bem como é vedada a lavratura de termo declaratório de união estável havendo um anterior lavrado com os mesmos companheiros, devendo o oficial consultar a CRC previamente à lavratura e consignar o resultado no termo.

NASCITURO OU FILHOS INCAPAZES

O art. 733 do CPC/2015 determina que, havendo nascituro ou filhos incapazes, somente via judicial ocorrerá o divórcio, a separação e a extinção consensual de união estável. Outrossim, o art. 537, § 6º, do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra também determinando que, havendo nascituros ou filhos incapazes, a dissolução da união estável será apenas por sentença judicial.

Nesse contexto, a legislação fixou limites à dissolução ou extinção consensual de união estável, como um meio de assegurar os direitos do nascituro (art. 2º do Código Civil de 2002) e proteção aos filhos incapazes.

O MANDATO NA UNIÃO ESTÁVEL

O requerimento de união estável por mandato, deverá ser por uma procuração pública e com prazo máximo de 30 (trinta) dias (70-A, § 2º, da Lei n°. 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/2023).

O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais, cuja eficácia do mandato não ultrapassa noventa (90) dias (art. 1.542, § 3º, do CC). Por outro lado, no requerimento de habilitação de casamento, é possível fazê-lo via procuração pública, sem fixação de prazo, em razão de ausência de previsão expressa no caput do art. 1.525 do CC/02. Mas isso não impede aos nubentes de fixaram um prazo à procuração pública para requerimento de casamento.

São diferentes os poderes de representação de mandato no casamento e na união estável, ou seja, naquele serve para celebração do casamento; ao passo que neste, para requerimento de união estável. Ademais, no casamento, o mandato tem prazo máximo de 90 (noventa) e, na união estável, o tem prazo máximo de 30 (trinta) dias. Por fim, os nubentes podem requerer habilitação de casamento, via mandato, sem de prazo de validade.

Por fim, é importante frisar que, embora tenha diferença entre os significados dos verbos “dever” e “poder”, não são diferentes na prática. Ou seja, em regra, é mais seguro exigir procuração pública para celebração de casamento ou requerimento de união estável.

CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO: perante o oficial de RCPN ou Juiz?

O art. 8º da Lei n°. 9.278/96 (Lei da União Estável) c/c o art. 70-A da Lei n°. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) dizem que a conversão da união estável será requerida perante o oficial de RCPN de seu domicílio/residência.

O art. 1.726 do CC/02, ao revés, determina que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”

Entrementes, a reiteração legislativa (Lei da União Estável e Lei de Registros Públicos) reforçam a ideia de que a conversão da união estável será perante o oficial de registro civil de pessoas naturais - RCPN, pois reflete uma maior acessibilidade ao oficial que uma autoridade judiciária (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 – CF/88), observando-se, portanto, a parte final do § 3º do art. 226 da CF/88 (“devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”).

IMPORTÂNCIA DO LOCAL NA UNIÃO ESTÁVEL E NA SUA DISSOLUÇÃO

O caput do art. 538 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra diz que o termo declaratório de reconhecimento e de dissolução da união estável será perante o ofício de registro civil das pessoas naturais de sua livre escolha.

O art. 94-A da Lei n.º 6.015/73 c/c o caput do art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra, por outro lado, determinam o registro da união estável ou sua dissolução onde companheiros têm ou tiveram a última residência (art. 94-A da Lei n.º 6.015/73 c/c o caput do art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

O art. 8º da Lei n°. 9.278/96 (Lei da União Estável) e art. 70-A da Lei n°. 6.015/73 dizem que a conversão da união estável será requerida perante o ofício de registro civil das pessoas naturais de seu domicílio/residência.

Note-se, portanto, a importância do local da união estável ou de sua dissolução, conforme descrição abaixo:

Para o reconhecimento da união estável, é a livre escolha do cartório de RCPN pelos companheiros, e não a residência deles. Em comparação ao casamento, para sua habilitação, os interessados requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes (caput do art. 67 da Lei n. 6.015/73). Neste caso, os cônjuges terão que escolher um oficial cuja circunscrição territorial abranja a residência de um dos nubentes, não havendo possibilidade de livre escolha do cartório.

Para o registro da união estável, somente será feito no cartório de RCPN cujo território abranja a residência dos companheiros. Para conversão da união estável, o importante é a residência deles, razão pela qual não é possível a escolha do cartório;

Para escritura de dissolução da união estável, podem escolher o cartório para fazê-la; Para o registro da dissolução da união estável, somente no cartório de RCPN cujo território abranja a residência dos companheiros.

QUEM AUTORIZA A ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS?

O art. 1.726 do CC/02 determina a necessidade de autorização judicial para alteração de regime de bens no casamento civil.

O art. 547 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra, ao contrário, diz que “é admissível o processamento do requerimento de ambos os companheiros para a alteração de regime de bens no registro de união estável diretamente perante o registro civil das pessoas naturais, desde que o requerimento tenha sido formalizado pelos companheiros pessoalmente perante o registrador ou por meio de procuração por instrumento público”.

Nesse contexto, a norma do CNJ permite a alteração de regime de bens deve ser formalizada pessoalmente pelos companheiros perante o oficial de RCPN ou por meio de procuração por instrumento público. Note-se que a alteração do regime de bens da união estável é totalmente o diferente da alteração de regime de bens no casamento civil, que dar-se-á perante o juiz.

ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL

Em comparação ao § 2º do art. 1.639 do Código Civil que permite alteração do regime de bens mediante autorização judicial, devido ao pedido motivado de ambos os cônjuges, o art. 547 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra, ao revés, não exige motivação do pedido de alteração do regime de bens em registro de união estável, nem representação por advogado ou defensor público, exceto quando houver certidões dos distribuidores de feitos judiciais cíveis e de execução fiscal, da Justiça do Trabalho e dos tabelionatos de protestos forem positivas (§ 3º do art. 547 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

QUAL O LIMITE À ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS?

Note-se a importância do texto do CNJ ao dizer que as “certidões dos distribuidores (...) forem positivas (...)”, é uma forma de fixar limite de atuação extrajudicial para alteração de regime de bens na união estável. Por isso, será uma célere lembrança da definição de competência interna do processo civil e do protesto extrajudicial.

No art. 43 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), a competência determina-se no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, ou seja, em Comarca de Vara Única, com um único Juiz, será o momento do registro ou, do contrário, em Comarca com mais de uma Vara, com mais de um Juiz, será no momento da distribuição, cujas matérias serão fixadas em lei estadual pelos Tribunais de Justiça (art. 125, § 1º, da Constituição Federal de 1988).

Neste caso, basta a certidão de distribuição ou a certidão de registro de feitos ajuizados cível, trabalhista e execução fiscal, para que o pedido de alteração de regime de bens de registro de união estável seja assistido (e assinado) por advogado ou defensor público, assinando. Aliás, quando o texto falou de certidões dos distribuidores de feitos judiciais cíveis (§ 3º do art. 547 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra), sem especificar o tipo de Justiça cível comum, tudo indica que serão necessários certidões dos distribuidores de feitos cíveis da Justiça Estadual e Federal.

No caso de protesto judicial, segue a mesma lógica da fixação de competência interna no art. 43 do CPC/2015. Por outro lado, quanto ao protesto extrajudicial, é importante esclarecer uma coisa: (i) quando há mais de um tabelionato de protesto, dar-se-á sua distribuição dos títulos e documentos aos tabelionatos de protestos (art. 7º da Lei n. 9.492/97 c/c o art. 11, parágrafo único, da Lei n. 8.935/94), na mesma data de recepção de títulos e documentos nos serviços de distribuição, conhecidos por centrais de distribuição (art. 8º da Lei n. 8.935/94); e (ii) quando há apenas um tabelionato de protesto, ele recebe diretamente os títulos e documentos.

Dessarte, o serviço de distribuição de títulos e documentos não emite certidão, mas somente os tabelionatos de protesto que emitem certidões, informações e relações serão elaboradas pelo nome dos devedores (art. 30 da Lei n.º 9.492/97), razão pela deve ser entendido o § 3º do art. 547 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra.

INTERDIÇÃO EM ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS

O art. 547, § 2º, do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra determina uma restrição à alteração de regime de bens da união estável no RCPN, qual seja, na hipótese de a certidão de interdições ser positiva, a alteração dar-se-á pelo processo judicial.

PARTILHA DE BENS E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens, a qual poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida (art. 1.575 do CC/02).

O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens (art. 1.581 do CC/02), que acontecer em suas duas fases ou no divórcio direto (Súmula n. 197/STJ). Nas duas fases, o divórcio ocorre após separação judicial (art. 1.580 do CC/02 c/c o art. 31 da Lei n.º 6.515/77). Ocorre que, à luz do art. 226, § 6º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 66/2010, está em repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, sob o Tema 1053, se a separação judicial é requisito para o divórcio e se ela subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro. Em relação ao direto, o divórcio ocorre sem a prévia separação judicial ou extrajudicial, seja com base no art. 40 da Lei n.º 6.515/77 (após dois anos da separação de fato), seja com base na referida emenda constitucional (independente de separação de fato, judicial ou extrajudicial), embora permaneça vigente as duas fases da extinção da sociedade/matrimônio nos arts. 1.571 até 1.582 do Código Civil.

Ademais, ao término do casamento – e não apenas da sociedade conjugal –, a despeito das duas fases do divórcio, há um dilema sobre a natureza jurídica de bens não partilhados, qual seja, seria uma relação de “mancomunhão” ou de “condomínio”.

O dilema interpretativo é o seguinte: i) após o divórcio sem partilha dos bens, transformar-se-ia a mancomunhão em condomínio; ou, ao revés, ii) após o divórcio sem partilha dos bens, permaneceria a mancomunhão até a partilha, transformando-a em condomínio.

Esse termo mancomunhão não foi regulamentado no direito brasileiro, mas utilizado na jurisprudência brasileira, oriunda do direito civil alemão, o qual atribui diferentes conceitos para comunhão (§ 741 do BGB – Livro 2 de Obrigações), quando mais de uma pessoa é titular de um direito; mancomunhão (§ 1419 do BGB – Livro 4 de Família), quando os bens comuns e individuais não podem ser alienados, nem tem direito de partição; e copropriedade (§ 1008 do BGB – Livro 3 das Coisas), quando a propriedade de uma coisa é compartilhada com mais de um proprietário por meio de frações.

No direito brasileiro, por sua vez, a comunhão tem os seguintes significados: i) uma união familiar tanto na seção de condomínio voluntário do Livro III do Direito das Coisas quanto na seção de casamento do Livro IV do Direito de Família (arts. 1.318, 1.511, 1.513 do CC/02); ii) um tipo de regime de bens (comunhão parcial de bens) no casamento e união estável (arts. 1.658 e 1.725, ambos do CC/02); e por fim, iii) um condomínio voluntário sobre uma coisa indivisível, de maneira que possam defender a posse, alhear a sua respectiva parte ideal, ou gravá-la (art. 1.314 do CC/02).

A mancomunhão ou comunhão alemã (Gesamthand - SERPA LOPES, Direito das Coisas, vol. VI, 1960, p. 273-274) poder ser interpretada como uma relação jurídica patrimonial indivisa, cumulativa e exclusiva, atribuída aos cônjuges ou companheiros, sem qualquer tipo de limitação ou restrição, até que, com a alteração no fólio real (art. 167, I-23, da Lei n.º 6.015/73), por meio da partilha, seja transformada em condomínio.

O condomínio ou “comunhão romana” (SERPA LOPES, Direito das Coisas, vol. VI, 1960, p. 273-274), ao contrário, é um tipo comunhão autônoma, limitada a uma cota ideal, exercida sobre a coisa indivisível, de maneira compatível por todos os condôminos. Noutros termos, é o exercício de cotitularidade simultânea de frações autônomas sobre a coisa indivisível, com possibilidade alienações de cada cotitular, sem prejuízo do direito de preferência do outro cotitular.

Na jurisprudência do STJ ainda não tem pacificação do tema: enquanto há decisão de que mesmo após o divórcio, sem partilha dos bens, mantém-se o estado de mancomunhão (STJ, Resp n.º 1.274.639/SP, quarta turma, rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 12/09/2017); há outra em sentido oposto: após a extinção o divórcio, sem partilha dos bens, transforma-se a mancomunhão em condomínio (STJ, Resp n.º 1.840.561 – SP, terceira turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 17/05/2022).

Na prática, quando um ex-cônjuge ou ex-companheiro pretende alienar sua parte ao outro, temos a seguinte situação: i) se adotar o entendimento da comunhão alemã (mancomunhão), não será possível transmitir a parte ideal por causa de ausência de partilha, que impossibilidade conhecer a meação e a cota individual do ex-cônjuge ou ex-companheiro (art. 195 da Lei n.º 6.015/93); e, ao revés, ii) se adotar o entendimento da comunhão romana (condomínio), será possível qualquer dos condôminos alienar ou gravar seus direitos, sem prejuízo da preferência do outro condômino; bem como requerer a extinção do condomínio ou alienação total das cotas, sem necessidade de nova partilha judicial ou extrajudicial.

Pois bem, esse mesmo dilema aplicar-se-á a partilha de bens na união estável, uma vez que, sem resolver o dilema da comunhão romana ou alemã, houve apenas previsão no art. 548, inciso V, do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra, que determina “proposta de partilha de bens (...) ou declaração de que por ora não desejam realizá-la, ou, ainda, declaração de que inexistem bens a partilhar”.

De toda sorte, será uma ótima oportunidade ao CNJ discutir o tema para inseri-lo no Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra).

DA PARTILHA CONCOMITANTE À MODIFICAÇÃO DO REGIME DE BENS

O procedimento de partilha de bens no contexto da modificação de regime de bens faz parte da seção II de alteração de regime de bens na união estável do Prov. 149/2023 do CNN/ CN/CNJ-Extra, sem relação com a extinção ou dissolução da união estável, refletindo uma grande novidade no direito brasileiro, se comparado com o casamento civil, objeto de divergência jurisprudencial.

Não havia dúvida de partilha de bens fora da extinção conjugal pelos seguintes motivos: i) a imutabilidade do regime de bens (art. 230 do Código Civil de 1916); ii) a obrigatoriedade de partilha de bens como requisito prévio ao divórcio judicial (art. 31 da Lei n.º 6.515/77); e por fim, ii) a ultratividade do regime de bens do Código Civil de 1916 devido ao art. 2.036 do Código Civil de 2002 (CC/02).

No tocante a ultratividade do art. 2.036 do Código Civil de 2002 (CC/02), foi posteriormente mitigada pela jurisprudência do STJ, prevalecendo o seu efeito ex nunc da sentença transitada em julgada da modificação do regime de bens de casamento, sem violação ao princípio da retroatividade de lei. Para melhor compreensão, cito um trecho da 3ª turma do STJ: “Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova relação do casal. Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos” (REsp n. 821.807/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 13/11/2006).

Quanto aos requisitos da alteração do regime de bens – novidade do CC/02 –, não houve inclusão de partilha de bens no art. 1.639, § 2º, do CC/02 c/c o art. 734 do CPC/2015. Note-se que os referidos textos normativos condicionaram a modificação de regime de bens a ressalvar/resguardar o direito de terceiros, sem qualquer outra vedação, a exemplo de concomitância de alteração de regime de bens com a sua partilha, em respeito à autonomia privada, assegurada pela vedação normativa de intervenção estatal no seio familiar (art. 1.513 do CC/02).

Entrementes, ainda há decisão judicial deferindo a modificação de regime de bens, sem autorizar a partilha de bens, que aliás, foi objeto de julgamento no Resp n. 1.533.179 – RS, terceira turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 23/09/2015, cujo trecho do acórdão deixa evidente a possibilidade de partilha de bens na mudança de regime de bens: “Como a própria lei resguarda os direitos de terceiros, não há porque o julgador criar obstáculos à livre decisão do casal sobre o que melhor atenda a seus interesses, razão pela qual, no caso, não vislumbro nenhum óbice legal que impeça a partilha dos bens adquiridos sob o regime anterior, de comunhão parcial, diante de sua mudança para separação total, notadamente quando o pedido decorre da expressa manifestação de vontade dos cônjuges” (voto do Min. Marco Aurélio Bellizze, Resp n. 1.533.179/RS).

É importante ressaltar o critério de julgamento nesse acórdão do STJ, qual seja, é possível alterar o regime de bens concomitante com a sua partilha, quando passa de um regime de menor restrição (comunhão universal ou parcial) para outro com maior restrição (separação de bens). Para melhor compreensão da dúvida acima, transcrevo um trecho do acórdão abaixo:

“Desde que a alteração não acarrete prejuízo para terceiros ou para os próprios cônjuges, repise-se, não há restrição legal à partilha concomitante dos bens, o que não seria de se admitir se a hipótese fosse inversa, ou seja, se o novo regime adotado viesse a estipular uma comunicação menos restrita de bens em relação ao pacto anterior, como exemplo, se a mudança fosse do regime de separação total para comunhão parcial” (voto do Min. Marco Aurélio Bellizze, Resp n. 1.533.179/RS)

PRAZO DECADENCIAL PARA ANULAR A PARTILHA DA UNIÃO ESTÁVEL

É de 04 (quatro) anos o prazo decadencial para anular partilha de bens em dissolução de sociedade conjugal ou de união estável, nos termos do art. 178 do Código Civil.

PRAZO DE VALIDADE DE CERTIDÕES PARA SANEAR TÍTULO

Na hipótese de o título (sentença, escritura pública e termo declaratório) não mencionar o estado civil e não haver indicações acerca dos assentos de nascimento, de casamento ou de união estável das partes (art. 94-A, II e IV, da Lei n. 6.015, de 1973), o registrador de RCPN exigirá a apresentação de certidões atualizadas de nascimento, casamento ou união estável registrada anterior (desde que lavrados em outra serventia) e, ainda, consultar o acervo próprio (incisos I e II do art. 541 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

O prazo de validade das certidões acima será de 90 (noventa) dias (parágrafo único do art. 541 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

UNIÃO ESTÁVEL COM PESSOA DE 70 ANOS

“Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum” (STJ. 2ª Seção. Aprovada em 09/11/2022).

Por outro lado, não se aplica o regime da separação legal de bens do art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002 (pessoa maior de 70 anos), se inexistia essa obrigatoriedade na data a ser indicada como início da união estável no assento de conversão de união estável em casamento ou se houver decisão judicial em sentido contrário (§ 3º do art. 550 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

Entretanto, a referida lógica normativa de regime de separação obrigatória está em tramitação no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642, com repercussão geral (Tema 1.236), em que se discute a constitucionalidade do regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos, bem como, se esse dispositivo também se aplica às uniões estáveis2.

PESSOA CASADA NA UNIÃO ESTÁVEL

Pelo Código Civil, é possível a união estável com a pessoa casada, desde que separada de fato ou judicialmente (art. 1.723, § 1º, CC). Por outro lado, o art. 94-A, § 1º, da Lei n.º 6.015/73, alterado pela Lei n. 14.382/2022, diz que “não poderá ser promovido o registro, no Livro E, de união estável de pessoas casadas, ainda que separadas de fato, exceto se separadas judicialmente ou extrajudicialmente, ou se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgado”.

Ademais, o referido texto da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73) é igual ao caput do art. 545 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra, reforçando, assim, a ideia de contradição com o art. 1.723, § 1º, Código Civil.

Na realidade, há apenas uma aparente contradição entre o art. 1.723, § 1º, Código Civil e o art. 94-A, § 1º, da Lei n.º 6.015/73. No cartório de RCPN, ainda não se tem meios seguros de reconhecer a “separação de fato” de um dos cônjuges, razão pela qual ainda continua mais seguro fazer a união estável de pessoas casadas, e separadas de fato, por meio do processo judicial, com seu trânsito em julgado.

A comprovação da separação judicial ou extrajudicial poderá ser feita até a data da prenotação desse título, hipótese em que o registro deverá mencionar expressamente essa circunstância e o documento comprobatório apresentado (parágrafo único do art. 545 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra). Ou seja, até a prenotação do título da união estável, será possível comprovar a separação judicial ou extrajudicial dos companheiros.

SEPARAÇÃO DE FATO E TÉRMINO DA SOCIEDADE CONJUGAL

A sociedade conjugal termina (art. 1.571 do Código Civil de 2002 c/c o art. 2º da Lei n.º 6.515/77):

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, pelo divórcio ou por sua conversão em divórcio.

“Embora o art. 1.571 do CC/2002 não contemple a separação de fato como hipótese de dissolução da sociedade conjugal, isso não significa dizer que esse fato jurídico não produza relevantes efeitos, como a cessação dos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, cessação do regime de bens e fato suficiente para fazer cessar a causa impeditiva de fluência do prazo prescricional entre cônjuges e conviventes.” (Ementa 10 do acórdão do REsp n. 1.974.218/AL, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 11/11/2022).

Nesse contexto judicial supra, é importante frisar que, uma vez a afastada sua causa impeditiva da fluência prescricional (inciso I do art. 197 do CC/02), mantendo-se o imóvel sem partilha, torna-se possível a usucapião ou demandar a prestação de contas ou, ainda, pagar indenização pelo uso exclusivo do imóvel por um dos ex-companheiros.

UNIÃO ESTÁVEL SIMULTÂNEA

“A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. STF. Plenário. RE 1045273, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/12/2020” (Repercussão Geral – Tema 529).

“A existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato ou judicial entre os casados” (Tese 50 do STJ). Note-se que essa tese não está em sintonia com o 94-A, § 1º, da Lei n.º 6.015/73. 24. UNIÃO ESTÁVEL EM TÍTULO ESTRANGEIRO Na união estável de título estrangeiro envolvendo ao menos um brasileiro que tem ou tenha tido sua última residência no território nacional (§ 2º do art. 94-A da Lei n.º 6.015/73), somente será admitido o registro de título estrangeiro, se este expressamente referir-se à união estável regida pela legislação brasileira ou se houver sentença de juízo brasileiro reconhecendo a equivalência do instituto estrangeiro (§ 1º do art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

UNIÃO ESTÁVEL EM TÍTULO ESTRANGEIRO

Na união estável de título estrangeiro envolvendo ao menos um brasileiro que tem ou tenha tido sua última residência no território nacional (§ 2º do art. 94-A da Lei n.º 6.015/73), somente será admitido o registro de título estrangeiro, se este expressamente referir-se à união estável regida pela legislação brasileira ou se houver sentença de juízo brasileiro reconhecendo a equivalência do instituto estrangeiro (§ 1º do art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

Do contrário, sendo inviável o registro do título estrangeiro de união estável, é admitido que os companheiros registrem um título brasileiro de declaração de reconhecimento ou de dissolução de união estável, ainda que este consigne o histórico jurídico transnacional do convívio more uxório (§ 2º do art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

Para fins de registro no Livro E, as sentenças estrangeiras de reconhecimento de união estável, os termos extrajudiciais, os instrumentos particulares ou escrituras públicas declaratórias de união estável, bem como os respectivos distratos, lavrados no exterior, deverão ser devidamente legalizados ou apostilados e acompanhados de tradução juramentada (§ 3º do art. 94-A da Lei nº 6.015/73), sem afastar, conforme o caso, a exigência do registro da tradução (art. 148 da Lei n. 6.015/73), nem a prévia homologação da sentença estrangeira (§ 3º do art. 539 do Prov. 149/2023 do CNN/CN/CNJ-Extra).

CONCLUSÃO

Portanto, o objetivo deste trabalho é fornecer uma explanação didática e bem concisa dos textos legislativos sobre união estável, permeado de jurisprudência, capazes de fornecer um critério de interpretação prático normativo adequado aos problemas reais. Assim, a novidade deste trabalho será o meu leitor compreender os textos sobre união estável, bem como servir como critério interpretativo para resolver os diversos problemas apresentados no balcão de cartório.

Ademais, com a referida alteração legislativa, fica cada vez mais evidente a necessidade de uma interpretação sistemática (junto com seus problemas) da união estável, algo que, por si só, já torna o texto complexo, razão pela qual foram resumidas as principais ideias, com fito de desvelar a lógica normativa da união estável, e não a sua dificuldade interpretativa.

REFERÊNCIAS

FOUCALT, Michel. A ordem do discurso. 12ª ed. Edições Loyola: São Paulo, 2005.

NEVES, Antonio Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra Editora, 1993.

*Lourival da Silva Ramos Júnior, Titular da Serventia Extrajudicial de Ofício Único de Sucupira do Riachão/MA

Fonte: Revista Registrando o Direito


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