PGFN BATE RECORDE E RECUPERA R$ 54 BI DA DÍVIDA ATIVA EM 2024
Paula Brito - 15/01/2025
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recuperou R$ 54 bilhões de créditos inscritos na dívida ativa da União em 2024, um recorde da série histórica. O valor é 19,2% maior que o de 2023, quando R$ 45,3 bilhões foram arrecadados, e o dobro do que foi reavido em 2020, um total de R$ 24,3 bilhões. Uma fatia importante veio com transações tributárias com empresas em recuperação judicial e falidas.
A política que permitiu a realização de acordos entre PGFN e contribuintes, criada em 2020 com a Lei nº 13.988, fez o governo federal receber R$ 22,7 bilhões de 938 empresas em reestruturação nos últimos cinco anos. Deste total, R$ 246 milhões são de acordos já liquidados e R$ 22,5 bilhões foram pagos por meio de parcelamentos.
Só no ano passado, foram R$ 8,6 bilhões transacionados com companhias na pior categoria de recuperabilidade do crédito público. Também é um número sem precedentes. Foi 16,2% maior do que em 2023, que teve R$ 7,4 bilhões recuperados, o dobro de 2022 (R$ 4,2 bilhões) e mais que o quádruplo de 2021 (R$ 1,9 bilhão). Os Estados com os maiores volumes de transações são São Paulo (R$ 6,2 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 5 bilhões), Minas Gerais (R$ 3,5 bilhões), Pernambuco (R$ 3,2 bilhões) e Paraná (R$ 2 bilhões). Os dados das transações tributárias foram obtidos via Lei deAcesso à Informação e são atualizados até outubro. Já os da dívida ativa da União foram extraídos do Sistema de Informações Gerencial (SIG) da PGFN, atualizados até dezembro. O estoque da dívida ainda é alto: está em R$ 3 trilhões, sendo R$ 227 bilhões com empresas em recuperação e outros R$ 150 bilhões com falidas.
O órgão pondera que os dados referentes às transações são limitados por conta da metodologia utilizada e que não há ainda um cadastro unificado de empresas em recuperação judicial e falência. Além disso, diz que “a natureza dinâmica dos processos de insolvência e das transações dificulta um levantamento preciso sem análise manual”. A estimativa do órgão é que R$ 60 bilhões foram regularizados desde 2020 com companhias insolventes e que, desde então, o índice de recuperabilidade desses devedores triplicou, de 8,69% para 32,01%.
O motivo do crescimento, segundo a procuradora-Geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, é a adoção de outras formas de cobrança da dívida pública, que, antes, era feita prioritariamente pelas execuções fiscais. “A procuradoria entrava com o processo independentemente de quem fosse o devedor, do grau de recuperabilidade da dívida e do potencial econômico da execução fiscal”, afirma Anelize, em entrevista ao Valor.
O problema é que quando uma empresa entra em recuperação judicial as execuções são suspensas, de modo que a Fazenda Nacional, lembra Anelize, ficava de mãos atadas, pois ainda não existiam as transações nem parcelamentos especiais. “O passivo tributário ficava sendo empurrado com a barriga”, diz. Além disso, acrescenta, juízes dispensavam a apresentação de certidão de regularidade fiscal (CND) pelas empresas, requisito previsto no Código Tributário Nacional (CTN). “As decisões do STJ [Superior Tribunal de Justiça] eram no sentido de dispensar a apresentação de CND, contrariando a exigência do CTN de quitação dos débitos tributários para as empresas em recuperação judicial. Então, a Fazenda não conseguia cobrar credor em recuperação judicial, porque eles eram dispensados de CND e as execuções fiscais ficavam paralisadas”, explica a procuradora da Fazenda Nacional Rita Nolasco, assessora especial da Advocacia-Geral da União (AGU). A solução foi editar uma lei que permitisse um acordo diferenciado. Em um primeiro momento, em 2015, foi aberta a possibilidade de parcelamento em até 60 meses, mas sem desconto. A quantidade de parcelas foi aumentando por outras legislações e, a partir de 2020, se previu a transação como ela é hoje, com deságios para multa, juros e outros encargos de até 65% -sem atingir o valor principal do imposto devido e podendo ser quitado em até 145 parcelas. “Foi a grande virada de chave”, diz Rita.
A PGFN passou a considerar a capacidade de pagamento do devedor e o grau de recuperabilidade do crédito. Nessa classificação, as empresas insolventes estão no pior rating possível, o D, pois os valores são considerados irrecuperáveis. A ideia da PGFN não é insistir na cobrança, mas buscar uma solução adequada para a empresa em crise financeira. “É lógico que estamos aqui para arrecadar. Mas, mais do que isso, estamos aqui para gerar potencial econômico. A transação surge como uma grande forma de resolver o passivo tributário dentro do plano de recuperação da empresa”, afirma Anelize. Tudo isso por meio de consensualidade, acrescenta Rita. “É um esforço conjunto. A empresa em recuperação que quer realmente sanar os débitos tributários tem que vir disposta ao diálogo para construir uma solução equilibrada, que funcione para ela e que também funcione para a Fazenda Nacional”, afirma.
Um ponto de atenção para a PGFN é o uso abusivo do instituto de recuperação judicial por algumas empresas para poder fazer uma transação com a União com melhores descontos. “Existe uma indústria de litigância predatória, de uma venda de facilidades. ‘Entra pela recuperação judicial que você consegue renegociar seus créditos e a PGFN te dá desconto de 70%’. Não é bem assim”, afirma Anelize. Segundo ela, o órgão busca evitar esse tipo de situação pela análise do histórico da empresa e das informações de fluxo fiscal, além de ter uma relação próxima com o juiz do caso. Com o passar dos anos, a PGFN ainda começou a aceitar como moeda de pagamento prejuízo fiscal, base negativa de CSLL e créditos de precatórios. Um exemplo recente é o caso da falência da Laginha, conglomerado de usinas de açúcar e álcool da família do político e empresário João Lyra, em Alagoas. Foi quitada uma dívida de quase R$ 1 bilhão com a PGFN através de precatórios. É o maior valor recebido via transação com uma empresa falida, segundo o órgão. Até então, o maior acordo de transação tributária da história havia sido firmado com uma empresa em recuperação judicial: o Grupo João Santos, produtor do Cimento Nassau. Foi regularizada uma dívida de R$ 11 bilhões, sendo R$ 270 milhões de créditos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que eram cobrados judicialmente sem sucesso há mais de 10 anos. A negociação foi feita em agosto de 2023 e a dívida foi reduzida para cerca de R$ 4 bilhões.
Segundo o advogado Eduardo Mattos, sócio da Ox Analytics, a posição do Fisco mudou nas recuperações judiciais e falências com a reforma da lei falimentar, em 2020, pela Lei nº 14.112, e pela lei das transações, criada no mesmo ano. “O Fisco não se submetia a recuperação judicial, deveria continuar cobrando pelas execuções fiscais. Ele ficou durante mais de 15 anos em um limbo, porque não deveria participar da recuperação, mas não conseguia executar nada durante o processo”, diz. Com a nova previsão legal, que criou um regime para equalizar a dívida tributária das empresas, a negociação passou a ser possível e a Justiça começou a exigir a CND. A exigência, contudo, não é um entendimento unânime. “No Paraná, tem duas câmaras que julgam recuperação judicial no Tribunal de Justiça. Uma delas dispensa e a outra não. E, no STJ, duas turmas decidiram pela dispensa e outra falava que não.
Fonte: Valor Econômico