"A TECNOLOGIA INSERE TODA A TRADIÇÃO E AUTORIDADE DOS CARTÓRIOS DE FORMA DIGITAL NA PRODUÇÃO DOCUMENTAL"


Paula Brito - 17/02/2021

A prestação de serviços, comércio eletrônico e negócios online têm crescido nos últimos anos, porém, a pandemia da Covid-19 impulsionou a adesão e o desenvolvimento de novas tecnologias. Segundo o relatório do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), houve um aumento na comunicação entre empresas e consumidores por meio de aplicativos, softwares de mensagem instantânea e sites, que medem a compra de produtos e serviços, passando de 26%, em 2018, para 46% no início da quarentena.

Nesse contexto, os Cartórios ampliaram a prestação de serviços online, garantindo que a população tenha acesso a pedidos de 2ª via de certidões de nascimento, casamento e óbito, atos de testamentos, separações, divórcios, inventários e partilhas, além da criação de um certificado digital próprio do e-Notariado. Serviços como protesto de títulos, emissão de certidões, registros de imóveis e consultas de matrículas são outras novidades eletrônicas pós-pandemia. Em entrevista exclusiva à Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), o diretor-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Carlos Roberto Fortner, falou sobre a tendência de uso dos certificados como identidades digitais dos brasileiros.

Leia abaixo a entrevista completa:

Anoreg/BR – Os serviços online ganharam ainda mais relevância durante a pandemia da Covid-19. Como o ITI avalia o aumento pela demanda de uso de certificados digitais?

Carlos Roberto Fortner – No cenário extremo da pandemia e do isolamento social foi necessário, por parte do Governo, criar estratégias e ações para garantir o exercício da cidadania por meios digitais e, de certa forma, aliviar a pressão causada pela restrição de circulação de pessoas. Mas, como tendência, muitos serviços, tanto públicos como privados, já seguiam rumo à digitalização, o que, em muitos casos, pode significar a realização completa de um processo no ambiente digital. Isso é uma prática já em curso no Judiciário brasileiro, por exemplo. Nesse sentido, o uso do certificado digital ICP-Brasil, com suas qualidades como a segurança, não repúdio, confiança e autenticidade, é uma poderosa ferramenta para o acesso a sistemas e aplicações com as mais diversas finalidades. Desde a assinatura de um histórico acadêmico, passando pelas receitas médicas e realização de divórcio online, além de ações no Legislativo e no Executivo. Isso porque, ao adotar o certificado digital, a instituição ou empresa tem justamente a garantia de autenticidade no controle do acesso por parte do usuário. Esse usuário pode ser o servidor público, o empregado, o médico ou o contador.

Anoreg/BR – Como os certificados digitais tem sido utilizados nos serviços públicos?

Carlos Roberto Fortner – A cada diferente aplicação é possível perceber a capacidade do certificado digital como uma identidade digital. A digitalização de serviços públicos, por exemplo, alcançou mais de 4.100 ofertas. Há ainda 640 serviços parcialmente digitalizados e o número de cidadãos cadastrados no portal único do Governo Federal (gov.br) é de 88 milhões. A digitalização dos serviços públicos gerou uma economia de R$ 2 bilhões por ano, de acordo com o Ministério da Economia. Assim, o Brasil fica próximo, a cada dia, dos Estados mais digitalizados do mundo, em um ranking liderado por inovadores como Estônia, Dinamarca e Finlândia. Um resultado que diz respeito a um novo modelo de cidadania e também de economia e gestão de recursos públicos. Atualmente, no País, são 9.841.705 certificados digitais ativos e a tendência é de crescimento. Isso também é reflexo da implantação de outras ofertas de serviços digitais online. A projeção do ITI é de que, em 2021, sejam emitidos cerca de 7 milhões de novos certificados digitais.

Anoreg/BR – Qual a importância de realizar transações online com o uso do certificado digital?

 Carlos Roberto Fortner – Segurança, autenticidade, integridade da informação, não repúdio, controle de acesso e legalidade. Quanto maior o volume de dados tratados por canais digitais, mais importante é ter tecnologia e políticas para preservar e conservar esses dados, que podem ser passíveis de serem usados para o crime ou qualquer outra finalidade ilegal, se não forem bem geridos. Com o crescimento das transações digitais – na área médica, de educação, negócios e Justiça – o certificado contribui para evitar alguns tipos de ataques cibernéticos. O certificado digital é uma ferramenta de proteção, principalmente, para coibir os ciberataques. O uso é também uma forma de prevenção, já que o acesso a um sistema que solicita o certificado digital – que contém dados biográficos e informações exclusivas do proprietário – não pode ser repudiado. Não há um certificado igual a outro, assim como não há uma pessoa igual à outra. Trata-se de proteção, pois tem a capacidade, de acordo com a sua finalidade, de defender as instituições contra invasões, fraudes, corrupção e roubo de dados. É possível dizer que contribui para combater vários crimes, seja no mundo digital ou não, e nas ações do crime organizado, porque as informações contidas no certificado digital são validadas com rigorosos critérios de identificação. O certificado digital é o único instrumento tecnológico que permite validar a autoria, a autenticidade, a integridade e a validade jurídica do documento digital. É único nesse sentido.

Anoreg/BR – Os custos do certificado digital ainda impedem sua disseminação na sociedade. Como superar esta barreira?

Carlos Roberto Fortner – A relação não é necessariamente de o custo impedir a disseminação. Hoje, a oferta é bem diversa, tanto dos tipos de certificados quanto ao tipo de finalidade a serem aplicados. A questão da disseminação está ligada verdadeiramente com informar à sociedade sobre o certificado e o seu papel como identidade digital. O mercado de certificação digital tem suas características e a prática de preços faz parte da política de negócios de cada empresa. Atualmente, há muitas propostas e formas de comprar o certificado digital. Acredito que com a ampliação crescente da oferta de serviços e possibilidades de uso da assinatura digital, os preços ficarão ainda mais competitivos. A principal barreira a ser superada é a difusão junto ao público a respeito de todos os valores e benefícios em adquirir o certificado digital. E os potenciais riscos ou prejuízos ao realizar alguma transação sem ele. O certificado digital é uma garantia. A cada dia são disponibilizadas no meio digital novas maneiras de comprar, pagar, alugar, marcar consultas, fechar negócios e trabalhar. O uso também se expande.

Anoreg/BR – Que ações já tem sido tomadas para a disseminação da utilização dos certificados digitais na sociedade?

 Carlos Roberto Fortner – Muitas pessoas desconhecem todas as possibilidades de uso do certificado digital. A que se destacar, entretanto, que para a população menos favorecida economicamente, talvez, os preços praticados sejam impeditivos. Nesse sentido, novos modelos de disponibilização dos certificados, cuja remuneração seja baseada não mais na emissão, mas sim no uso do certificado, tornam-se possíveis de implementação com os certificados digitais em nuvem. Em outubro passado, o Comitê Gestor da ICP-Brasil aprovou a Resolução nº 177, que autorizou Autoridades Certificadoras (ACs) e Autoridades de Registros (ARs) da ICP-Brasil a trabalharem em conjunto com os órgãos de identificação e Detrans dos estados para a emissão conjunta de certificados digitais, RGs e CNHs. Neste caso, os certificados serão emitidos na modalidade em nuvem, permitindo à AC/AR controlar e cobrar o uso do certificado. Por trás da novidade, há um acordo para que o uso do certificado em serviços públicos digitais não seja cobrado, nem do cidadão, nem do Estado. Iniciativas como esta têm um princípio universal, qual seja possibilitar que a tecnologia da certificação digital ICP-Brasil esteja acessível a todos os brasileiros.

Anoreg/BR – No ano passado, foi aprovada a Lei nº 14.063 que altera os tipos de certificados digitais no Brasil. Qual a importância dessa legislação? E o que ela traz de novidade?

 Carlos Roberto Fortner – A Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, trata do uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas e em questões de saúde. De acordo com a norma, o cidadão poderá utilizar a assinatura eletrônica avançada em diversas situações, entre as quais a transferência de veículos em transações de compra e venda. A Lei inova ao definir as categorias de assinaturas eletrônicas: a simples, a avançada e a qualificada. A inspiração é da normativa europeia para serviços de confiança para as transações eletrônicas no mercado interno – mais conhecido como regulamento “eIDAS” – (Regulamento EU nº 910/2014).

Anoreg/BR – Quais as principais aplicações de cada uma das novas assinaturas criadas pela lei?

Carlos Roberto Fortner – A legislação estabelece os casos de admissão para cada uma e a assinatura eletrônica qualificada é admitida em qualquer interação eletrônica com o ente público. A assinatura simples permite identificar o signatário ao associar alguns de seus dados ao conteúdo acessado, como um login e senha, e pode ser utilizada em situações em que não se requer rigor nessa identificação, como no caso de uma marcação de consulta médica. A avançada garante a integridade e autenticidade do documento que é usado, entre outras aplicações, na transferência de veículos. A qualificada, que requer um certificado digital ICP-Brasil, deve ser utilizada na transferência de imóveis. E a partir das novas regras, assinaturas digitais providas com certificados digitais ICP-Brasil passam a ser denominadas assinaturas eletrônicas qualificadas. Considero que a Lei aprimora um sistema que começou a ser implantado há duas décadas, quando foi editada a Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, e deu início à implantação do sistema nacional de certificação digital da ICP-Brasil. A nova Lei atualiza os conceitos, adequando aos novos modelos de transações digitais.

Anoreg/BR – Em diversos atos online que envolvem os cartórios extrajudiciais, a utilização do certificado digital já é requisito obrigatório. Como avalia o avanço dos atos realizados nas serventias para o mundo digital?

Carlos Roberto Fortner – O volume de dados e informações sobre o cidadão e que são produzidos e armazenados nos sistemas cartoriais são expressivos e essenciais. Os Cartórios de Registro Civil, por exemplo, guardam dados sobre o ciclo de vida de uma pessoa, do nascimento, casamento, divórcio e morte. Nesse sentido, e se considerarmos como um acervo, que contém informações sobre o País, é fundamental que estejam a cada dia mais conectados e interligados por várias razões. A primeira justamente por exercerem um papel de uma espécie de guardião, e que detém dados sensíveis. E devem ser preservados para que possam ser acessados para todos os fins, comprobatórios e legais. A digitalização e uso do certificado digital podem coibir, por exemplo, a fraude, seja na emissão de um documento ou de uma certidão. Com a assinatura a partir de um certificado digital, é impossível não identificar o signatário. São vários avanços na atuação dos cartórios na modalidade digital. Como os cartórios são instituições seculares, a tecnologia passa a inserir toda a tradição e autoridade dos cartórios de forma digital na produção documental. Tudo passa a ser mais rápido, eficiente e simples. Um cidadão brasileiro que está, por exemplo, em outro país pode solicitar uma documentação, desde que tenha acesso à internet. O processamento e o fluxo da informação é muito mais dinâmico e seguro. O acesso à base de dados também é muito mais simples do que consultar, em alguns casos, grandes depósitos de arquivos e pastas em papel. O armazenamento das informações e documentos além de seguro é também mais fácil de ser acessado. Outro ponto é o deslocamento. Com o acesso digital, não é necessário que o interessado vá até o local físico do cartório.

Anoreg/BR – O CPF hoje é considerado o número chave para a identificação da população brasileira. Como ele está relacionado ao certificado digital?

Carlos Roberto Fortner – O campo relativo ao CPF integra o certificado digital ICP-Brasil desde seu início, em 2001, nos certificados de pessoas físicas e de pessoas jurídicas, neste caso, para identificar quem é a pessoa responsável pelo uso do certificado. É verdade que o preenchimento desse campo [CPF] não é obrigatório, ficando à critério do titular. Porém, para que o certificado sirva como instrumento de autenticação digital nas aplicações e serviços públicos digitais é imprescindível que o campo CPF esteja preenchido, pois ele será validado pelas aplicações para garantir o devido acesso da pessoa aos serviços e dados que lhe dizem respeito. O certificado digital é, portanto, importante recurso de proteção de acesso a dados pessoais.

Anoreg/BR – A plataforma e-Notariado, que permite uma série de atos online dos Cartórios de Notas instituiu o certificado digital notarizado, emitido gratuitamente pelos cartórios. Como avalia esta iniciativa regulamentada pelo Provimento nº 100/2020, do CNJ?

 Carlos Roberto Fortner – Quando o Conselho Nacional de Justiça publicou as instruções dispondo sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, criando a Matrícula Notarial Eletrônica (MNE), entendo que foi o mesmo que posicionar o sistema cartorial no futuro. Foi uma transformação cultural de práticas e de uso da tecnologia. E creio que muito ainda será movimentado nesse processo. É também uma oportunidade para os cartórios de modernizar a gestão. No País, outros serviços de registro adotam o certificado digital para garantir segurança aos processos de registro e emissão de certidões de todos os tipos. Um deles é a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec), que usa certificado digital ICP-Brasil para acesso ao sistema que reúne milhões de atos notariais e de buscas informadas. Entendo que a plataforma e-Notariado facilitou a vida do tabelião e do usuário, tornando tudo muito mais prático.

Anoreg/BR – Como avalia o cenário da certificação digital no Brasil para os próximos anos?

Carlos Roberto Fortner – O cenário da certificação digital, a meu ver, é de crescimento, seja pela oferta cada vez maior de serviços, públicos ou privados, por meio de canais digitais, seja pela própria evolução das tecnologias, que passam a demandar canais de comunicação e identificação seguros de objetos, a exemplo da internet das coisas (IOT), veículos autônomos, robotização e inteligência de ambientes e cidades, só para citar algumas tendências. Em tudo isso há aplicação para a certificação digital. Acredito, também, que a necessidade de cuidados com o acesso e o tratamento de dados pessoais impostos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trará demanda para a certificação digital, de forma crescente, na medida em que a cultura e os procedimentos necessários para a conformidade à LGPD se estabeleçam na sociedade brasileira. Vamos ver ainda como se dará esta temática na arena internacional, visto que outros países também têm suas legislações de proteção de dados a observar, o que levará a acordos de reconhecimento de assinaturas eletrônicas qualificadas, movimento, aliás, já iniciado. Por tudo isto, vislumbro o crescimento da demanda e da disseminação da certificação digital. Como o certificado digital tem um conjunto de elementos estruturais para garantir segurança nas transações e documentos eletrônicos, a cada dia deve ser mais valorizado. Creio que, no Brasil, nos próximos anos, com a totalização dos serviços públicos digitais que podem ser oferecidos ao cidadão, com segurança e credibilidade, a tendência é a de desburocratizar, melhorar a eficiência da governança pública e economia de recursos, o que provoca indiretamente uma nova maneira de fazer a gestão. A segurança proporcionada pelo certificado digital ainda tem muito a crescer.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/BR


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