Artigo – A diferença entre protesto e notificação extrajudicial para adimplemento de dívida – Por Emílio Carneiro de Menezes Guerra


Paula Brito - 30/04/2019

No contexto do debate acerca da implementação do Cadastro Positivo, muita confusão tem sido feita entre o instituto do “Protesto de Títulos e outros Documentos de Dívida” e o da Notificação Extrajudicial. Apesar de ambos ocorrerem, em regra*, no âmbito do extrajudicial, são institutos distintos com finalidades também distintas.

O protesto de títulos e outros documentos de dívida, conforme ensina a sua lei de regência (Lei 9492/97), em seu artigo 1º, “é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. Ou seja, o protesto é um ato que é solicitado com a finalidade de provar e divulgar, perante a coletividade, o descumprimento de uma obrigação.

A notificação extrajudicial serve para que se leve ao conhecimento da pessoa a quem é direcionada algum conteúdo, seja ele qual for, podendo ser um aviso, um lembrete, uma informação, etc. Como exemplo, uma notificação poderá veicular um aviso a alguém (pessoa física ou jurídica), quanto a parecer estar em aberto uma prestação que lhe cumpria ter feito em determinada data, haja vista o fato de o credor não ter conseguido identificar o seu cumprimento (não necessariamente que não foi feito), abrindo ao devedor a oportunidade de poder verificar o que ocorreu (esquecimento, possível erro do Banco, outras possibilidades) e até se explicar, por outra via, alegando, por exemplo, que o produto ou serviço não correspondeu ao que foi prometido ou pactuado.

E uma vez realizada a notificação do devedor, e não sanada a inadimplência em certo prazo, naturalmente é de se presumir não se tratar de mero esquecimento, ou erro de alguma natureza. Mas mesmo assim, nada será anotado junto ao registro da notificação extrajudicial quanto a ter sido ou não sanada a inadimplência, porque o procedimento notificatório se exaure, ou seja, termina, com a anotação da informação quanto a ter sido entregue ou não a notificação à pessoa a quem foi endereçada.

Aqui cabe explicar que a mora do devedor em realizar um determinado pagamento, ou fazer algo, tanto pode ser a decorrente de disposição de lei, automática, que se configura tão só pelo não pagamento da prestação na data fixada (pagamento em dinheiro ou a realização de alguma coisa), independentemente de qualquer manifestação prévia do credor, casos em que se denomina mora ex re (artigos 397, caput, 390 e 398 do Código Civil Brasileiro), ou pode ser do tipo que depende de prévia ação do credor para que se abra prazo ao devedor para o cumprimento da sua obrigação. Esta última modalidade se denomina mora ex persona (artigos 726 e 727 do Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015).

Nos casos de mora ex persona, a notificação extrajudicial tem por função não só cobrar o cumprimento de uma obrigação, mas, também e principalmente, a de ser o marco temporal quanto ao início da exigibilidade do devedor cumpri-la. Portanto, nos casos de notificações dessa natureza, por força da sua realização, se o devedor não cumprir a obrigação no prazo a que estava obrigado, estará constituído em mora, seja relativamente a alguma prestação em dinheiro ou obrigação de fazer.

Ou seja, em qualquer caso a notificação extrajudicial pode ter a função de um aviso de cobrança, mas só nos casos de mora ex persona terá a função de constituir em mora o devedor, caso este não cumpra a obrigação no prazo que se lhe abre para que o faça.

No entanto, conforme já referido linhas acima, não há, nas notificações extrajudiciais, quaisquer anotações junto a seu registro, dando publicidade quanto a ter sido adimplida ou não a prestação a que se referiu, porque este não é seu objetivo.

Notificações extrajudiciais apenas devem informar se a comunicação foi entregue ao destinatário. É fato que é comum acontecer, tendo em vista a eficácia que se observa nessa prática exclusiva dos Registradores de Títulos e Documentos, de os devedores cumprirem suas obrigações após terem sido notificados, porque, na maioria das vezes, trata-se de mero esquecimento. Mas também é comum acontecer de apresentarem comprovação de que a obrigação já havia sido cumprida; ou que há uma razão para o seu descumprimento, fundada em anterior descumprimento de obrigação pelo credor; ou defeito no bem ou serviço adquirido. Mas tais circunstâncias não serão publicizadas no contexto das notificações extrajudiciais que veiculem a cobrança. E esta é a maior diferença entre notificações extrajudiciais e protesto extrajudicial.

No protesto, cuja consumação tem por objetivo dar a conhecer à coletividade que alguém não cumpriu com sua obrigação de pagar algo, é fundamental que a informação quanto ao posterior pagamento da dívida inadimplida, que foi a motivação para sua realização, seja publicizada em seu contexto.

Notificações extrajudiciais, quando utilizadas para o fim de interpelar alguém relativamente ao cumprimento ou não cumprimento de alguma obrigação, são, em última instância, apenas avisos de cobrança, e são direcionadas exclusivamente à parte que aparentemente não cumpriu uma obrigação assumida ou que a deverá cumprir dentro de determinado prazo. Já o protesto direciona-se à coletividade, para dar a conhecer à “praça” que alguém não honrou obrigação a que se obrigou perante o credor.

E é devido a essa fundamental diferença que não se pode fazer nenhuma espécie de cadastro de inadimplentes com base em notificações extrajudiciais.

Assim, pela notificação, o credor tanto poderá constituir o devedor em mora (caso da mora ex persona), quanto dar a ele a oportunidade de efetuar o pagamento sem precisar submetê-lo ao trauma imediato de constrição de crédito, através da medida drástica que é o protesto, que abala a relação de confiança entre as partes. A notificação alerta o devedor sobre sua obrigação e eventual mora, sem traumas, sem risco de prejuízo na relação entre as partes.

E certamente é por esta razão que o recurso inicial às notificações tem sido sistemática adotada pela maioria dos credores. E isso não apenas para manter boa relação com seus devedores e preservar-lhes o crédito na “praça”, aumentando a probabilidade receberem, mas, também, por medida de prudência, porque erros ocorrem, e oportunizar que os devedores se manifestem poderá não só manter clientes, como evitar prejuízos decorrentes de ações de indenização por cobranças indevidas.

O protesto é um ato formal e solene de anunciação à “praça”, pois sua publicidade é direcionada à sociedade, dando ciência à coletividade quanto ao fato de alguém estar inadimplente no pagamento de alguma prestação. Ou seja, o protesto é a publicidade de que uma pessoa (física ou jurídica) não honrou algum compromisso. Objetiva negativar, perante terceiros, o devedor que demonstrou não ser bom pagador. O protesto não é uma cobrança, mas sim o que o nome diz: um protesto público quanto à inadimplência consumada de alguém. Por isso que negativa, dando sentido à criação de um cadastro de inadimplentes.

Na verdade, o aponte de protesto é o início do procedimento formal para a concretização da “anunciação à praça”, quanto àquela inadimplência, e a intimação do protesto é um derradeiro aviso de que está em curso o procedimento para tornar pública a inadimplência daquele devedor.

Como o protesto é a sacramentação pública da inadimplência consumada de alguém, que fica, devido a ele, com a imagem publicamente negativa (daí o termo “negativação”), ele permite a constituição de cadastros que potencializam ainda mais a má reputação do devedor inadimplente, a qual pode ser restaurada “limpando o seu nome” através do pagamento da dívida e comparecimento no Tabelionato de Protesto para comprovar que honrou seu compromisso.

Voltando à Notificação para o fim de interpelar alguém sobre uma dívida, esta é uma cobrança, um lembrete privado, direcionado apenas ao inadimplente (caso da mora ex re), não é a afirmação da má fama da pessoa a quem é direcionada. É um lembrete a que os credores podem recorrer para oportunizar a seus devedores efetuar o pagamento sem abalos, de forma amigável e acautelada, respeitando a boa relação entre as partes, dando-lhes inclusive o direito de defesa em prazo mais dilatado, que poderá ser ofertado também através de contranotificação. É muito comum um esquecimento, uma mera desorganização nas contas, um fato qualquer que desvie a atenção do bom pagador que não tinha a intenção de atrasar o pagamento. Pode ocorrer também que o pagamento tenha sido realizado, mas que por algum erro bancário o credor não tenha tomado conhecimento dele.

Já o protesto é ato a que se recorre na certeza da intenção de não pagar, medida extrema que, por razões constitucionais, em seu procedimento formal para se consumar na lavratura do respectivo instrumento, observa o princípio do contraditório, mas com prazo exíguo para a manifestação do devedor (que se restringe a comparecer para pagar ou apresentar mandado judicial sustando a lavratura do protesto), antes de sua submissão à negativação perante a “praça”, e drástica contenção de novos créditos, como decorrência de sua inscrição em cadastros de inadimplentes, acessíveis a outros possíveis concedentes de crédito, razão pela qual a prudência aconselha sua utilização após tentativas mais amenas de interpelação do devedor.

Para um bom entendedor, o protesto negativa e coloca um carimbo de MAU PAGADOR na testa do devedor, enquanto a notificação é uma cobrança, e como tal não gera prejuízo para o devedor, que continua com crédito na praça, tendo inclusive a oportunidade de demonstrar algum equívoco do credor, ou mesmo que realizou o pagamento.

Concluindo, pela diferença que foi exposta, fica clara a razão por que não se pode fazer cadastros de inadimplentes com base em notificações extrajudiciais, as quais podem e têm sido utilizadas como forma de interpelação para cobrança de dívidas. Por isso que somente após recorrerem às notificações extrajudiciais sem sucesso é que normalmente os credores têm lançado mão da medida drástica do protesto, que objetiva dar a conhecer à praça o fato de que determinado devedor não honrou sua obrigação para com ele.

É fato que, em face do risco imenso de que fiquem negativados perante a praça, perdendo o crédito, submetendo-se, inclusive, ao perigo de um pedido de falência, os devedores, uma vez cientes de que foi pedida a anunciação à praça da sua condição de inadimplentes, corram para pagar suas dívidas. Então, o protesto tem funcionado como medida eficaz para compelir devedores ao cumprimento de suas obrigações, porque estes sabem que, se não o fizerem, será consumada a divulgação da sua condição de inadimplentes, sendo lavrado o instrumento de protesto solicitado pelo credor.

*As notificações também podem ser utilizadas em demandas judiciais, por serem mais céleres e, em muitos casos, mais assertivas do que as intimações efetuadas pelos Oficiais de Justiça. (CPC, arts. 269, §§1º, 2º; 250)

* O artigo é de autoria do titular do 1º Registro de Títulos e Documentos de Belo Horizonte, Emílio Carneiro de Menezes Guerra

Fonte: IRTDPJ Brasil


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