“ESSA LEI TROUXE UMA NOVIDADE MUITO IMPORTANTE QUE É A MEDIDA DE PRÉVIA SOLUÇÃO NEGOCIAL”
Paula Brito - 25/01/2024
Em abril de 2000, após aprovação no 1º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga das Delegações de Notas e de Registro do Estado de São Paulo, Reinaldo Velloso dos Santos iniciou o exercício como Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 2º Subdistrito - Liberdade, na capital paulista.
Após nova aprovação em concurso público, assumiu, em 2005, a delegação de 3º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Campinas.
Mestre e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo em 2012 e 2020, Velloso é uma das vozes mais respeitadas do Direito Notarial e Registral, e já publicou alguns livros sobre o Protesto de Títulos, como o “Protesto notarial e sua função no mercado de crédito”, de 2021, e “Apontamentos sobre o protesto notarial”, de 2012.
Em entrevista à Revista Cartórios com Você, Reinaldo Velloso dos Santos fala sobre o novo Marco Legal das Garantias, sancionado através da Lei 14.711 de 2023, e suas implicações práticas no Protesto de Títulos. Segundo ele, “essa lei trouxe uma novidade muito importante que é a medida de prévia solução negocial”.
CcV - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no dia 31 de outubro o chamado “Marco Legal das Garantias” (Lei 14.711 de2023). Qual a importância dessa Lei?
Reinaldo Velloso - Uma lei que engloba uma série de medidas que vai beneficiar a concessão de crédito. Vai reforçar as garantias, os agentes de mercado vão conferir instrumentos, regras mais claras, instrumentos mais efetivos, e permitir uma maior tranquilidade aos agentes econômicos na concessão de empréstimos, e a tendência é que isso venha a beneficiar a economia como um todo. Se você tem mecanismos mais eficazes para receber os créditos, você vai ter uma predisposição maior para concorrer com outros agentes do mercado, e vai tentar oferecer condições melhores para que a operação de crédito seja contratada pelas instituições financeiras.
CcV - Quais as principais mudanças relacionadas ao Protesto de Títulos?
Reinaldo Velloso - Apesar de a lei ter apenas alguns aspectos incorporado ao texto legal, algumas medidas já eram previstas por atos normativos, como, por exemplo, a lei de incentivo a renegociação de dívidas protestadas, a possibilidade de intimação por meio eletrônico e a publicação do edital apenas em meio eletrônico. Essa lei trouxe uma novidade muito importante que é a medida de prévia solução negocial. Ela trouxe uma grande inovação que vai tornar o Protesto um instrumento menos drástico, mais amigável. Acho plenamente compatível com o instituto. A evolução natural do instituto já levava a essa construção de se permitir ao credor, de forma facultativa, que o Protesto fosse utilizado por boa parte dos operadores do Direito, os agentes de mercado, de forma facultativa. Não era uma medida que era necessária para garantir um direito de regresso ou para requerer a falência. Na verdade, ele é uma forma de tentar receber o valor que foi inadimplido, mas no âmbito extrajudicial. O prazo que existia de uma lei de três dias úteis, é um prazo muito exíguo. A possibilidade de que se tem na lei de só pagar o valor integral dificultava muito a quitação do débito dentro do tríduo legal. Ciente de que a própria praxe dos negócios, antes da pessoa mandar o título a Protesto fizesse uma renegociação, a lei permitiu que o tabelião faça essas diligências antes. Se o credor disponibilizou um pagamento parcelado, ou alguma proposta com abatimento, o tabelião vai dar notícia dessa proposta, vai cientificar o devedor dessa proposta, e o devedor vai ter um prazo maior antes de isso ser convertido em Protesto. Se essa negociação prévia for frustrada, vai se seguir ao Protesto. Vejo como uma mudança muito importante para a atividade do Protesto, que até teve como base a experiência que já havia sido implantada pelo Provimento 72, da Corregedoria Nacional de Justiça, que previa as medidas de incentivo de negociação e quitação das dívidas protestadas, e que funcionou muito bem.
CcV - A Lei fala em diversos momentos sobre a Central Nacional de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Tabeliães de Protesto. Qual a importância da Central para o efetivo cumprimento da Lei?
Reinaldo Velloso - A Central foi instituída por lei em 2018. Ela tinha uma previsão de que outros serviços eletrônicos podiam ser prestados por meio da Central. Essa lei nova detalhou um pouco mais alguns serviços. Também foi regulamentada a possibilidade de cobrança de alguns serviços e foi expressamente previsto que outros serviços deveriam ser praticados de forma gratuita pela Central. Os serviços dos incisos VIII, III, IV e V, do artigo 41-A, asseguraram a gratuidade dos serviços, o envio de títulos a Protesto, o cancelamento eletrônico, anuência eletrônica, consulta da existência de protestos. E para os outros serviços que a lei chamou de serviços complementares, foi prevista a possibilidade de cobrança pela Central. A Central exige uma infraestrutura muito grande tecnológica e tem serviços que fogem um pouco do escopo básico do Protesto. Existe essa plena possibilidade de aproveitar essa estrutura tecnológica e incorporar os serviços que são correlatos. Até mesmo a escrituração da duplicata eletrônica que foi autorizada em 2018, é um serviço complementar que pode ser cobrado porque vai ser implicado num gasto grande, e essa remuneração que é definida em comum acordo pela Central e os contratantes, vai ser custeado para permitir todos os outros serviços gratuitos. Realmente existia essa dificuldade operacional da Central porque ela envolve uma série de gastos, e essa previsão expressa na lei, que é algo razoável de se cobrar por serviços complementares, vai viabilizar financeiramente a Central Eletrônica.
CcV - O capítulo V fala da solução negocial prévia ao Protesto e das medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas. Quais são essas formas de incentivo à renegociação? O Provimento 72, de 2018, consegue colaborar com essas medidas?
Reinaldo Velloso - Na verdade, o Provimento 72 foi o primeiro que trouxe essas medidas de incentivo a renegociação de dívidas protestadas. A lei trouxe alguns aprimoramentos. Mas basicamente as propostas são aquelas que estão no artigo 26-A, parágrafo primeiro. Faculta-se ao credor autorizar o tabelião a receber a dívida protestada, que por incrível que pareça às vezes é um óbice, porque se o credor não autoriza o tabelionato a receber o Protesto, então o devedor primeiro precisa pagar o credor para depois pagar as custas de Protesto ao tabelião. E nós temos uma experiência muito exitosa no Estado de São Paulo por meio da Central Eletrônica. O contribuinte consegue por meio de um único pedido, um único pagamento, quitar o débito junto ao credor e pedir o cancelamento para pagar as custas ao Cartório. É uma medida facilitadora. Ela elimina etapas desse procedimento de limpar o nome. Eu vejo como uma medida facilitadora. Outra possibilidade que tem é o credor indicar para o tabelião qual o desconto, a possibilidade de parcelamento de débito. Ele pode abrir uma campanha que ele estará restrito ao sistema, para informar qual o valor do desconto, qual o percentual, a possibilidade de pagamento parcelado, em quantas parcelas podem ser feitas o pagamento, se fez o pagamento da primeira parcela, se ele autoriza o cancelamento de Protesto. É um sistema muito maleável. O credor consegue definir inúmeros parâmetros e pode abrir uma pesquisa e tornar a campanha permanente. Ele parametriza os critérios. Qual o índice de correção, quais são os fundos de mora, qual a multa pelo atraso, qual o desconto. Se esse desconto incide somente para Tabelionato de Protesto 88 títulos vencidos por mais de um ou dois anos, por exemplo. Além disso, existe a possibilidade do credor pedir para o tabelião fazer uma campanha informando que está aberta essa campanha de renegociação, e o tabelião redireciona, ou a Central Eletrônica, redireciona o interessado para um site específico, para uma plataforma do próprio credor. Ter a possibilidade de quitar e analisar a todas as propostas dentro de uma plataforma eletrônica facilita muito a vida do devedor.
CcV - Segundo o artigo 14, parágrafo terceiro, o tabelião de Protesto poderá utilizar meio eletrônico ou aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para enviar as intimações de Protesto. O aplicativo que está sendo desenvolvido pelo IEPTB-BR irá colaborar com essa questão?
Reinaldo Velloso - A ideia é que aquele cidadão que tem interesse em ter um acesso facilitado as informações de Protesto, possa baixar esse aplicativo e receber antecipadamente a intimação. Não precisa esperar a intimação ser impressa, encaminhada pelos correios, ou pelo preposto do tabelião. Isso agiliza muito o processo, e mais interessante é que a partir do momento que ele recebe essa intimação e confirma o recebimento por meio eletrônico, ele não vai precisar reembolsar as despesas de intimação por aviso de recebimento. A partir do momento que adota essa providência, o tabelião não vai mais precisar mandar uma intimação pelo correio, e ele não vai precisar reembolsar essa despesa. Para os títulos de menor valor, o valor que se gasta com a despesa de intimação é até maior que o valor que ele tem que pagar de custos e emolumentos para o Cartório e para o Estado. Acho que vai facilitar. Ele agiliza, ele desonera o devedor, e ecologicamente ajuda também, porque ele não está imprimindo, não está transportando, não está produzindo lixo depois. A lei já previa, ou mencionava, aviso de recebimento ou outra forma de confirmação do recebimento. Vejo que é uma modernização desse serviço e sem sombra de dúvidas vai facilitar bastante. Migrar para esse aplicativo permite várias funcionalidades. Não só para o momento da intimação, a consulta de Protesto, mas também a possibilidade de você fazer o cancelamento de Protesto, fazer propostas de renegociação, abrir para os títulos que tenham essa campanha de renegociação. Vejo que o futuro dos tabelionatos de Protesto passa por essa modernização e essa facilitação do acesso do usuário ao serviço por meio do aplicativo.
CcV - De acordo com o artigo 41-A, parágrafo terceiro da Lei, “a Central Nacional de Serviços Eletrônicos Compartilhados poderá, diretamente ou mediante convênio com entidade pública ou privada, realizar serviços de coleta, de processamento, de armazenamento e de integração de dados para a emissão e a escrituração de documentos eletrônicos passíveis de Protesto”. Já existe algum convênio nesse sentido? Como isso funciona?
Reinaldo Velloso - Ainda não existe um convênio desses por falta de uma previsão legal. Muitas vezes, o que acontecia na prática era que os institutos de Protesto e suas seccionais e o instituto nacional, encaminhava para as empresas e para as entidades que tinham interesse em usar o Protesto, uma documentação técnica sobre os layouts dos arquivos para envio de títulos, para cancelamento, envio da anuência eletrônica para integração dos sistemas. Com essa possibilidade prevista na Lei de que a Central faça esses mecanismos auxiliares, vai facilitar não só o envio para Protesto, mas vai facilitar a gestão das carteiras de crédito tanto das empresas como das entidades públicas. Quem não tem um sistema muito sofisticado vai poder fazer um convênio com o instituto de Protesto, e deixar todo esse serviço de processamento dessas informações, e emissão de títulos e envio para Protesto, aos cuidados do instituto de Protesto e da Central Eletrônica. A Central vai ter essa autorização e atingindo um grande número de clientes, a tendência é que esse serviço seja oferecido a um valor bem baixo, praticamente irrisório e que representa um incremento no volume de informações que vai ser gerida pela Central. Muitas vezes, pequenas prefeituras tem uma dificuldade operacional com a gestão desses créditos. Também algumas entidades de fiscalização de produção também tem os sistemas que muitas vezes não tem nem a capacidade de processamento dessas informações. Se a Central Nacional puder oferecer mais um serviço, já que tem uma infraestrutura robusta para atender, é uma possibilidade que vejo como natural de oferecer esse serviço. Até mesmo porque a Central tem esse custo grande e precisa encontrar fontes de financiamento. Ao oferecer alguns serviços gratuitos, você precisa ter alguns serviços pagos para que eles permitam a subsistência da Central. E também o próprio desenvolvimento de novas finalidades. Esse aplicativo é um serviço que vai estar permanentemente sendo atualizado e vai exigir uma infraestrutura robusta. A possibilidade de você ter essa remuneração por esses serviços complementares, vai permitir a modernização dos serviços.
Fonte: Revista Cartórios com Você