ARTIGO – BLOCKCHAIN, SMART CONTRACTS E A ATUAÇÃO NOTARIAL: A GARANTIA DA SEGURANÇA JURÍDICA DIANTE DE UM CENÁRIO DE MUDANÇAS


Paula Brito - 18/07/2024

A atividade notarial, uma das mais tradicionais do Brasil, inovou desde a instalação do primeiro Tabelionato no Brasil, quando o governador Mem de Sá nomeou Pero da Costa para responder pelo 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, há 458 anos1. Desde então, a função notarial passou por profundas transformações, perpassando a mera autenticação de atos jurídicos. Nos dizeres de Kassama2,

[…] o afazer do notariado surge então não mais como uma forma de autenticar, mas como um acoplamento estrutural entre um sistema psíquico natural e um sistema de comunicação jurídico que naturalmente dispõe de “amortecedores” para que a transição entre o mundo psicológico individual possa se expressar de forma mais correta e garantida possível ante o sistema formal do direito.

Em outros termos, o notário atua preventivamente para garantir que a manifestação da vontade das partes seja dotada de plenos efeitos conforme o ordenamento jurídico. Desse modo, em harmonia com o que o referido autor denomina como “tecnologia de cautela” da atuação notarial, vislumbra-se a possibilidade de utilização da estrutura descentralizada da rede blockchain e dos smart contracts como suporte aos atos notariais, o que deve levar ao aumento da transparência e da confiabilidade dos dados disponibilizados na rede, da eficiência e da segurança jurídica dos serviços notariais.

Neste estudo, a atuação notarial é observada sob o aspecto da atividade de qualificação adequada da vontade das partes nas categorias jurídicas oferecidas pelo ordenamento jurídico, vontade, esta, que, muitas vezes, não é plenamente conhecida pelas próprias partes contratantes antes da atuação do notário. Nessa linha, confira-se, em tradução livre, a lição de Petrelli3:

A investigação das intenções das partes permite alcançar este objetivo, através de uma atividade aprofundada […] por meio dessa atividade, o tabelião – interagindo com as partes – identifica sua real intenção (que às vezes elas mesmas não conhecem plenamente, desconhecendo as possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico e seus limites). Por conseguinte, coloca essa intenção prática, através da atividade adequada de qualificação, nas categorias jurídicas oferecidas por esse sistema jurídico.

Em razão dessa atividade de desvendamento e formalização da vontade das partes, é mister compatibilizar as novas tecnologias com a já tradicional função notarial. Nesse sentido, almejando traçar uma perspectiva sobre a importância e o papel do notariado no futuro, considerando o impacto das tecnologias emergentes, como os smart contracts e a blockchain, interessante mencionar o que dispõem Didier Jr. e Fernandez4:

É fácil perceber que algumas características típicas da blockchain, como a imutabilidade, a transparência e a correção de dados, são perfeitamente compatíveis com o regime jurídico das serventias extrajudiciais, que visa assegurar a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos (art. 1º, da lei 8.935/94).

Percebe-se que a tecnologia atual ainda não consegue captar adequadamente a vontade humana, a qual é altamente subjetiva e influenciada por fatores emocionais. A título exemplificativo, veja-se que a máquina não percebe se uma decisão foi tomada sob coerção ou pressão, bem como não capta a presença de assimetrias informacionais na relação entre as partes contratantes, o que é um problema recorrente em diversos negócios jurídicos e amplamente estudado no campo da economia comportamental. O notariado passa, então, a desempenhar relevante função que se compatibiliza com a utilização dos smart contracts.

Assim, a autoridade do notariado em interpretar e validar a vontade das partes envolvidas em atos jurídicos, ao invés de suplantada, é complementada pelos benefícios que a tecnologia blockchain e os smart contracts podem trazer, de modo que se buscará investigar a harmonia e os benefícios da utilização das novas tecnologias nos serviços notariais.

Confira aqui a íntegra do artigo.

* Geovana de Quadros Martins Bortoli - aluna do curso de Pós-Graduação em Direito - Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Graduada em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP, BAGÉ). Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Notarial e Registral, com área de conhecimento em Direito para o Mercado de Trabalho, pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Especialista (Pós-Graduação Lato Sensu) em Direito Notarial e Registral, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS).

Herbert Kiefer Colla - aluno do curso de Pós-Graduação em Direito - Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Graduado em Direito pela Universidade da Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista (Pós-Graduação Lato Sensu) em Direito Notarial e Registral e em Direito Imobiliário pela Faculdade Única de Ipatinga/MG (FUNIP). Advogado.

Frederico Felipe Timm Kruel - aluno do curso de Pós-Graduação em Direito - Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Foto: KrulUA

Fonte: Migalhas


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