ARTIGO: BREVES APONTAMENTOS SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DO PROTESTO DA PENA DE MULTA


Paula Brito - 29/12/2020

O que pretende o presente artigo é abordar duas disciplinas do Direito que, nas obras gerais, não costumam ser estudadas de forma unitária: Direito Notarial e Direito Penal.

A Lei 9.268/96, visando pôr fim à possibilidade de conversão da pena de multa em prisão, passou a considerá-la como dívida de valor, com a aplicação das "normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição" (artigo 51 do Código Penal).

Porém, algumas dúvidas foram suscitadas, especialmente quanto com relação ao ente legitimado para promover sua execução.

O tema apenas foi pacificado com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADI 3.150, reconhecendo que, embora a Lei 9.268/1996 tenha considerado a multa penal dívida de valor, ela possui caráter de sanção criminal, decorrendo daí a legitimidade ativa prioritária do Ministério Público para promover-lhe a execução.

Por conseguinte, deve ser reconhecida, da mesma forma, a legitimidade ativa prioritária do Ministério Público para promover o protesto da multa penal.

Concomitantemente, o protesto extrajudicial também evoluiu. Ao tempo da promulgação da Lei 9.286/96, não havia no país uma legislação específica. Apenas em 1997 adveio a Lei 9.492/1997, que trouxe importantes inovações, dentre elas, a possibilidade do protesto de outros documentos de dívida. Sobreveio, ainda, o novo Código de Processo Civil de 2015, dispondo expressamente sobre a possibilidade do protesto da sentença transitada em julgado.

A Lei 9.492/1997, ao definir a competência e atribuições dos tabeliães de protesto, dispõe que: "Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida".

A expressão "títulos", por vincular-se ao Direito Cambiário [1] e, portanto, aos títulos de crédito, não gerou muitas dúvidas. Contudo, o mesmo não ocorreu com a expressão "outros documentos de dívida".

Conquanto a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo tenha, em um primeiro momento, firmado entendimento no sentido diverso, a sistemática foi alterada em 2005, com a aprovação, pelo corregedor-geral da Justiça, do conhecido parecer de lavra do juiz assessor José Antonio de Paula Santos Neto. Por meio dessa decisão passou-se a considerar "compreendidos como 'documentos de dívida', nos termos da Lei 9.492/97, sujeitando-se a protesto, sem prejuízo daqueles já admitidos para tanto, todos os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos pela legislação processual [2]".

Atualmente, a admissão do protesto dos títulos executivos judiciais está expressa no item 20 do Capítulo XV, do Tomo II, das NSCGJ/SP. E o rol destes títulos consta no artigo 515 do CPC/15, cujo inciso VI elenca a "sentença penal condenatória transitada em julgado".

Malgrado a abordagem restrita em alguma doutrina, não vemos razão para limitar o protesto da sentença penal às obrigações a serem cumpridas em favor da vítima ou de terceiros. Note-se que tais obrigações, via de regra, consistem em efeitos secundários da sentença penal. Com mais razão, portanto, há que se possibilitar o protesto do efeito principal: a pena imposta.

Prevista como dívida de valor, em quantia líquida, certa e exigível, em favor do Fundo Penitenciário estadual ou federal (artigo 49 do Código Penal), pelo atual panorama legislativo, é possível o protesto da pena de multa imposta em sentença penal condenatória. Assim, neste ano de 2020, a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo publicou o Provimento CG 33/2020, dispondo sobre seu procedimento.

Transitada em julgado a sentença condenatória criminal, o Tomo Judicial (Tomo I) das NSCGJ/SP, estabelece que, após a intimação do condenado para pagamento voluntário no prazo de dez dias (artigo 51 do Código Penal), que corre perante o Juízo da condenação, este determinará a expedição de certidão da sentença (artigos 479-B, 480-A e 538-A, todos do Tomo I das NSCGJ/SP).

Essa certidão, além de possuir o valor da dívida, contém todos os dados necessários para o protesto, especialmente, nome e CPF do devedor; a data do trânsito em julgado e o credor da multa (Funpen ou Funpesp). Caso o condenado/devedor não tenha CPF — o que, inclusive, é objeto de convênio entre o CNJ e a Arpen — para fins do protesto, é suficiente a indicação da filiação e do documento de identidade.

Assim, considerando que, para as sentenças cíveis, já se utiliza de certidão para o protesto, a mesma sistemática foi, aqui, adotada. A única diferença consiste no fato de que, já existindo uma certidão expedida pelo juízo da condenação, não há a necessidade de nova expedição pelo juízo da execução. Com efeito, para dar início ao procedimento de protesto, basta a apresentação da aludida certidão de sentença.

Note-se que esta somente é expedida após o decurso do prazo de dez dias para pagamento voluntário perante o juízo de conhecimento, quando já configurada a mora do condenado/devedor.

Porém, não se pode descurar que as condenações proferidas por Juízos de outros tribunais estaduais ou federais também poderão ser apontadas a protesto. Nesta hipótese, parece-nos que deveria ser observado o artigo 517, parágrafo 1º, do CPC, aplicado por analogia, com a apresentação destes títulos executivos judicias por meio de "certidão de teor da decisão".

A bem da verdade, tratando-se de título executivo judicial, até mesmo as sentenças criminais proferidas pelos juízos do Tribunal de Justiça de São Paulo poderão ser apresentadas por outro meio, v.g. certidão de objeto e pé expedida pelo juízo da execução. A previsão do item 20.4.1 do Capítulo XV, como dito, é mera forma de facilitação dos atos a serem praticados.

Outro ponto disciplinado pelo Provimento CG 33/2020 — e ausente nas NSCGJ/SP com relação às sentenças cíveis — diz respeito à data de emissão e vencimento. Consta das normas e do parecer aprovado que "deverá ser adotada, como data de emissão e vencimento do título, a data do trânsito em julgado para partes, por representar a data de constituição do título executivo judicial protestado".

Ocorre que, no processo penal, dificilmente a data do trânsito em julgado será a mesma para a acusação e para a defesa. Além da data de intimação ser diversa (o que, por si só, já torna diverso o dies ad quem), via de regra apenas uma das partes interpõe recurso. Nesses casos, por conseguinte, deve ser utilizada a data mais recente (ou seja, a que ocorreu por último), porque somente nesse momento o título executivo estará definitivamente constituído e haverá exigibilidade da prestação.

Com relação à atribuição para o protesto, a regra geral é a apresentação no lugar designado para pagamento [3]. Para os títulos executivos judicias as NSCGJ/SP fixou a "localidade de tramitação do processo ou na de domicílio do devedor [4]", o que está em consonância com as regras de competência do artigo 516 do CPC.

Ocorre que a Câmara Especial do TJ-SP, em Conflito de Competência, decidiu que a multa deve ser executada na comarca do juízo da condenação (Conflito de Jurisdição 0040414-45.2020.8.26.0000).

E, de fato, parece-nos que a previsão contida no artigo 516, parágrafo único, do CPC se refere exclusivamente ao cumprimento de sentença ajuizado pela vítima do delito; e não para a execução da pena de multa. Por tais razões, entende-se que a apresentação deve ser realizada perante o tabelionato de protesto da comarca do juízo da condenação.

Quanto à intimação, é necessário realizar alguns apontamentos. Isto porque, o condenado/devedor, provavelmente, estará cumprindo, concomitantemente, a pena privativa de liberdade. E, conforme dispõe o artigo 76, parágrafo único, do Código Civil, o lugar em que cumprir a sentença, é o domicílio necessário do preso.

Assim, nos regimes fechado e semiaberto, por se tratar de domicílio necessário, a intimação deverá ser endereçada ao estabelecimento prisional.

No regime aberto, a intimação deve ser endereçada à casa do albergado (artigo 93 da LEP). Porém, como se sabe, este regime, na grande maioria das vezes, acaba transformando-se no recolhimento em residência particular (artigo 117 da LEP), ante a falta de vagas. Nestas hipóteses, bem como nos casos em que o réu esteja em gozo da suspensão condicional do processo ou usufruindo o livramento condicional, o Ministério Público deverá apontar o endereço de residência do devedor. Isto porque, sendo expedida após a condenação, o endereço constante da certidão estará desatualizado.

Extrai-se, ainda, das NSCGJ/SP, que a intimação poderá ser feita através de portador do próprio tabelião; por meio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, com aviso de recebimento; ou por qualquer outro meio, desde que o recebimento fique assegurado e comprovado através de protocolo, aviso de recepção ou documento equivalente, o que permite a contratação de serviços terceirizados (artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 9.492/97 e itens 44.1 e 44.2 do Cap. XV, do Tomo II, da NSCGJ/SP).

Conquanto seja denominada de "pessoal", Mello e Souza Neto esclarece, com fulcro no artigo 14, caput, da Lei 9.492/97, que a intimação para fins do protesto considera-se realizada, com a mera entrega do respectivo documento no endereço do devedor [5]. No mesmo sentido, o item 44 do Cap. XV, do Tomo II, da NSCGJ/SP.

Portanto, a intimação deverá ser realizada, ainda que no endereço do estabelecimento prisional, por uma das modalidades previstas legalmente, não sendo possível realizar-se, de pronto, a citação por edital, tão somente por se tratar de pessoa presa.

Por sua vez, o pagamento da multa dentro do tríduo legal deve seguir as regras já existentes nas NSCGJ/SP. A especificidade da multa penal consiste em seu credor, qual seja, o Fundo Penitenciário, que poderá ser o Estadual (Funpesp) ou Federal (Funpen), de modo que a disponibilização deverá seguir a regra do artigo 481 do Tomo I das NSCGJ/SP.

Sendo o credor o Funpesp, a situação é simples; basta o depósito na conta corrente indicada. Contudo, nas hipóteses em que o credor for o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), o recolhimento deve ocorrer por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU). Como as indicações devem ser realizadas pelo apresentante (item 68.1), no caso, o Ministério Público, este deverá fornecer, no momento da apresentação, a mencionada guia, com prazo de vencimento igual ou superior a 20 dias úteis.

Em seguida, a guia original e o respectivo comprovante (do recolhimento da GRU ou do depósito bancário), ficará à disposição do condenado/devedor (item 68.2).

Do contrário, não ocorrendo o pagamento; sustação ou desistência, o protesto deverá ser lavrado. O Ministério Público atuará como apresentante do título, de modo que lhe deve ser entregue o respectivo instrumento. A credora será a Fazenda Pública que, no âmbito do estado de São Paulo, criou o Fundo Penitenciário do estado de São Paulo — Funpesp (Lei estadual 9.171/95), vinculado à Secretaria da Administração Penitenciária (SAP); e, no âmbito Federal, a União, que formou o Fundo Penitenciário Nacional — Funpen (Lei Complementar 79/1994), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os referidos fundos não possuem personalidade jurídica, o que prejudica figurarem diretamente como titulares do direito de crédito.

O cancelamento também está localizado na seção referente ao pagamento, o que pode trazer certas dificuldades de localização. Este deve ser realizado mediante a apresentação do mandado expedido pelo juízo competente, após declarar extinta a pena. Todavia, não se vislumbra óbice ao cancelamento pela apresentação de certidão, constando o trânsito em julgado, nos termos do artigo 26, parágrafo 4º, da Lei 9.492/97.

Por fim, a Resolução Conjunta 1.229/2020-PGJ-CGMP, editada pelo Ministério Público de São Paulo, regula a atuação dos promotores de Justiça. Além de normas internas, a resolução dispõe que o protesto é facultativo e poderá ser promovido pelo promotor com atuação na Vara de Execuções Criminais.

Consta também [6] que o promotor de Justiça deverá manter prévio contato com o tabelião de protesto, para estabelecer a forma de apresentação da certidão da sentença criminal o que, por certo, não poderá contrariar a normativa estabelecida pela Corregedoria-Geral da Justiça. 

Tem-se ainda que realizado o pagamento no tríduo legal, e efetuado o repasso do valor para o fundo penitenciário respectivo, o tabelião de protesto "remeterá os documentos ao promotor de Justiça das execuções criminais [7]". Em um primeiro momento, a disposição pode causar certa estranheza, por representar comando destinado ao tabeliães de protesto, feito pelo Ministério Público, que não possui atribuição para regular a atividade extrajudicial. Contudo, não se pode descurar que o Ministério Público atua como apresentante e o artigo 19, parágrafo 2º, da Lei 9.492/97 já dispõe que "valor devido será colocado à disposição do apresentante no primeiro dia útil subsequente ao do recebimento". No caso, a única diferença é que, no lugar do valor, será disponibilizado documento comprobatório do pagamento.

Contudo, o item 68.2.1 do Capítulo  XV das NSCSGJ/SP determina que o original do documento comprobatório do repasse do valor do título pago seja disponibilizado ao condenado. Assim, o documento a ser enviado ao Ministério Público, para fins de comunicação ao juízo do feito, deverá consistir em cópia do documento comprobatório do pagamento.


[1] PEREIRA, José Horácio C. G. Títulos e Documentos de Dívida Protestáveis. In: SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos — teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 34

[2] Parecer no Processo CG nº 864/2004.

[3] NSCGJ/SP, Tomo II, Cap. XV, Item 27.

[4] NSCGJ/SP, Tomo II, Cap. XV, Item 27.3.

[5] SOUZA NETO, João Baptista de M. e. Intimação dos Devedores: Normatização e Casuística. In: SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos — teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 213

[6] Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP, Anexo I, Item "2".

[7] Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP, Anexo I, Item "4".

*Por Felipe Esmanhoto Mateo e Alberto Gentil de Almeida Pedroso

Felipe Esmanhoto Mateo é juiz de Direito no Tribunal de Justiça de São Paulo, convocado como juiz assessor da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, mestre em Direito Civil pela USP e pós-graduado em Direito Contratual pela EPD.

Alberto Gentil de Almeida Pedroso é juiz de Direito, mestre, professor universitário e autor de obras jurídicas.

FONTE: Revista Consultor Jurídico


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