Especialista em Data Science e Transformação Digital, Renato Dolci, explica como as novas tecnologias podem auxiliar no trabalho de relacionamento entre Cartórios de Protesto e seus usuários.


Paula Brito - 22/05/2019

Especialista em data science e transformação digital com experiência em desenvolvimento de pesquisa sobre o comportamento online, Renato de Carvalho Dolci já desenvolveu diversos algoritmos para análise de dados. Cientista político, sociólogo e mestre em economia pela Universidade de Sorbonne, em Paris, atualmente ele é CEO da Decode, empresa de inteligência analítica e Associate Partner na empresa BTG Pactual.

No ano passado, durante a 16ª Convergência - Encontro Nacional de Tabeliães de Protesto de Títulos - palestrou sobre o tema “Novas tecnologias e geração de valor na era do big data”, além de explorar o universo da blockchain e a possibilidade de aplicá-lo aos Cartórios de Protesto.

Em entrevista à Revista Cartórios com Você, o especialista fala sobre parcerias entre empresas privadas e entes públicos na área da tecnologia, a sonegação fiscal e comenta os trabalhos executados nas serventias extrajudiciais: “Os Cartórios de Protesto podem ser extremamente beneficiados com as tecnologias disponíveis”.

CcV – Como avalia a introdução de novas tecnologias na forma como as empresas se relacionam com os seus clientes na era do big data? É possível alterar a partir dessas tecnologias modelos de negócios, redução de custos e transparência? Como enxerga essa questão?

Renato Dolci – As novas tecnologias auxiliam no relacionamento com as empresas em vários aspectos: de um lado, a análise de dados é fundamental para mapear interesses e motivações dos consumidores, diminuindo a necessidade de perguntar frequentemente as mesmas informações e de aprofundar a geração de ofertas mais assertivas de acordo com os dados coletados nos diversos locais onde os usuários deixam rastros digitais. A inteligência de dados impacta não apenas a forma como interagimos com tecnologia, mas principalmente como estruturamos as novas ofertas a partir dos gostos e hábitos dos consumidores, reduzimos custos descobrindo através das análises financeiras das companhias e testamos a elasticidade de preço com os consumidores.

CcV – Em julho de 2017, a ProcuradoriaGeral do Estado de São Paulo contratou a empresa Neoway, especializada em Big Data, para trabalhar com a mineração de dados e combater sonegadores fiscais. Como enxerga essa parceria de entes públicos com empresas privadas?

Renato Dolci – Excelente. A iniciativa privada está bastante avançada em soluções analíticas que tenham como pressuposto a geração de valor através do cruzamento de dados e durante muito tempo, o Poder Público acabou ficando distante das novas tecnologias por conta da dificuldade de contratação e da agilidade de integração sistêmica. É possível afirmar que o Poder Público, em diversas esferas para além da área fiscal, é um dos principais beneficiários da inteligência analítica, não apenas como mecanismo de controle, mas principalmente para gerar transparência aos contribuintes e eficiência no controle de custos operacionais. O ponto sensível neste tipo de iniciativa envolve como governos e empresas privadas definem limites para privacidade e governança na prestação dos serviços, seja na cessão ou manipulação dos dados.

CcV – Essas parcerias para investigar pessoas inadimplentes pode ferir de alguma forma a Lei Federal nº 13.709, que define regras para a proteção de dados pessoais e foi aprovada no dia 14 de agosto de 2018 pelo ex-presidente Michel Temer?

Renato Dolci – É preciso lembrar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) será aplicada à iniciativa pública, porém as entidades públicas não estão sujeitas a todos os artifícios da lei, estando dispensadas de algumas medidas, como o próprio consentimento do usuário, se a finalidade se tratar de alguma política pública. Não estão exatamente claros todos os parâmetros legais de consentimento e tratamento no caso do Poder Público.

CcV – A sonegação fiscal e a corrupção são os maiores problemas dos devedores em relação a Dívida Ativa da União, Estados e municípios?

Renato Dolci – Com certeza é um problema bastante relevante e as ferramentas analíticas podem facilitar a recuperação de tributos sonegados, porém é possível citar diversos fatores que são desafios ao Poder Público na composição da Dívida Ativa da União, Estados e Municípios, como falta de controle nos gastos do próprio Poder Público, a dificuldade de cobrança e auditoria na recuperação dos créditos, a lentidão na execução fiscal por parte dos trâmites no Poder Judiciário, soluções pouco avançadas de tecnologia e processamento de dados para cruzar informações da Receita Federal, entre outros. A complexidade da composição da dívida também é um elemento relevante a ser citado e compõem o enorme arcabouço de desafios que coexistem neste ambiente, que com certeza pode ser alavancado pelo uso de tecnologias de dados.

CcV – Acredita que essas tecnologias para mineração de dados podem ser implementadas também no âmbito dos Cartórios? Ferramentas como a blockchain, por exemplo, podem ser alternativas para a gestão e aprimoramento tecnológico das serventias?
Renato Dolci – É importante considerar que tecnologias como blockchain, machine learning, algoritmos de diversas naturezas ou geodata já são uma realidade em nossos cotidianos e não são um futuro eventualmente a ser alcançado. Ao ligar o Waze ou assistir um filme no Netflix, utilizamos continuamente todas as tecnologias disponíveis no mercado que tem como elemento central os dados gerados por nós mesmos ao longo de nossas interações virtuais com o mundo digital. Os Cartórios de Protesto podem ser extremamente beneficiados com as tecnologias disponíveis não apenas para diminuir a fricção de seus serviços para seus usuários, entendidos como muito procedimentais e burocráticos, o que geraria um aumento na utilização dos serviços e assim, crescimento de receita, mas construir, a partir de seu imenso fluxo de usuários, alternativas de receita a partir de inteligência analítica que são de extremo interesse do mercado privado, melhorando a qualidade do crédito disponível (como no caso dos Protestos) e o sistema financeiro como um todo, assim como integrar um ecossistema mais eficiente de transparência de suas atividades, expandindo sua missão de garantir a fé-pública e ser uma ferramenta cada vez mais eficiente e ágil para dar mobilidade às mediações financeiras extrajudiciais.

CcV – Como avalia a introdução de novas tecnologias na quitação e renegociação de dívidas dos cartórios de Protesto, como estabelece o Provimento 72 da Corregedoria Nacional de Justiça?
Renato Dolci – Acho que o ponto é exatamente a criação de um portal que facilita de um lado para o credor tanto ter informações como conseguir gerar com agilidade as informações que ele precisa, assim como o devedor ter acesso a informação de que ele está devendo e poder renegociar com mais facilidade. Isso é importante porque criar um portal faz exatamente aquilo que o Cartório pode ter em uma função digital: a intermediação. Ele intermedia essas duas partes. Isso não vai morrer. A tecnologia não vai permitir que não exista um intermediador. Tem todas as questões legais, judiciais e principalmente a própria questão comercial. A tecnologia não permite que se faça isso. O que ela vai fazer é ajudar o Cartório a conseguir fazer isso. Ela pode criar um ambiente de negociação dentro do seu portal nesses dois perfis. Como ele vai pagar, de que forma ele vai pagar, as condições de pagamento, pode criar todas as soluções e trazer os serviços que no fundo envolvem alguém pagar e alguém receber dentro de um ambiente que seja dele. Os Cartórios ganham um ativo estratégico bastante importante porque eles estão regulando esse processo e isso a tecnologia não vai substituir.

CcV – A blockchain poderia ajudar de alguma forma nesse processo?
Renato Dolci – A blockchain seria a base de sustentação na qual o intermediador que é o Cartório continua existindo e ele não vai parar de existir. O que vai acontecer é mais transparência, mais agilidade e mais transação com a blockchain. Como negociar, quem vai entrar em contato, isso pode ser digital. Mas o serviço precisa de um player e esse player continua sendo o Cartório.

FONTE: REVISTA CARTÓRIO COM VOCÊ


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