"RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL É A FERRAMENTA MAIS ADEQUADA QUANDO A DEVEDORA TEM CONDIÇÕES DE CONSTRUIR CONSENSOS COM SEUS CREDORES DE MANEIRA PRECOCE"


Paula Brito - 17/12/2020

O juiz auxiliar da presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Daniel Carnio Costa, concedeu entrevista exclusiva à Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) para falar sobre as garantias trazidas pela Lei nº 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, extrajudicial e a falência da sociedade empresária.

O magistrado, que integra grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a promoção de estudos e diagnósticos para dar mais celeridade e segurança jurídica aos processos de recuperação judicial e falência no Brasil, explicou em quais situações uma empresa deve priorizar a resolução de conflitos pela via extrajudicial.

Ele também avaliou a importância de realizar todas as etapas do processo com segurança jurídica e transparência para incentivar a abertura de novos negócios no Brasil.

Leia a íntegra da entrevista:

Anoreg/BR – Com o cenário econômico instaurado no Brasil, resultante da pandemia de Covid-19, qual é a importância de facilitar processos de recuperação das empresas no País?

Daniel Carnio Costa – As empresas são geradoras de empregos, tributos, produtos e serviços que são essenciais ao bem estar da população. A atividade empresarial é responsável pela circulação de riquezas. Nesse sentido, quando uma empresa desaparece em razão de dificuldades transitórias e superáveis, a sociedade sofre um grande prejuízo com a falta de postos de trabalhos, produtos e serviços que poderiam ter sido preservados. O Estado também sofre prejuízo pela perda de arrecadação tributária. Assim, a Lei nº 11.101/05 oferece ferramentas que ajudam as empresas em crise a superarem o momento de dificuldade e manterem as atividades, preservando os empregos e todos os demais benefícios econômicos e sociais que decorrem dos seus setores. Entre estas ferramentas, estão a recuperação extrajudicial e a recuperação judicial de empresas.

Anoreg/BR – Quais são as principais características do processo de recuperação extrajudicial?

Daniel Carnio Costa – A recuperação extrajudicial é um mecanismo regulado pelos artigos 163 e seguintes da Lei nº 11.101/05, e que pode ser utilizado por uma empresa em crise que pretenda renegociar com seus credores, sem a necessidade do ajuizamento de uma ação complexa na Justiça. A reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, estimula a utilização dessa ferramenta, dispondo que o devedor que já conte com 1/3 de aprovação de seus credores acerca de um plano de renegociação – incluindo credores trabalhistas e acidentários (desde que com aval do sindicato da categoria) – poderá dar início ao processo de recuperação extrajudicial, com suspensão de todas as execuções em curso contra ele na Justiça. No prazo de 90 dias, a devedora tentará conseguir a concordância de mais da metade dos credores sujeitos à renegociação. Caso consiga, o juiz homologará esse plano e todos os credores, mesmo a minoria que discordou, estarão sujeitos aos seus efeitos.

Anoreg/BR – Como caracteriza os fundamentos da recuperação judicial e da extrajudicial? Quais diferenças destacaria?

Daniel Carnio Costa – A recuperação judicial é um procedimento mais amplo do que a recuperação extrajudicial, na medida em que o devedor pode ajuizar o pedido e, deferido o seu processamento, todos os credores sujeitos em tese aos efeitos da recuperação judicial serão afetados pela impossibilidade de ajuizarem execuções ou de prosseguirem nas suas execuções contra o devedor.  O devedor vai apresentar um plano de recuperação judicial e os credores deverão aprová-lo ou rejeitá-lo em Assembleia Geral de Credores.

Nas recuperações judiciais, sempre será nomeado pelo juiz um administrador judicial para ajudar na fiscalização e condução do processo. Caso o plano seja aprovado nas classes de credores, de acordo com os quóruns legais, o juiz poderá homologar o plano e colocar a empresa em recuperação judicial, sob fiscalização judicial, pelo prazo de até dois anos. Caso o plano seja rejeitado ou as obrigações assumidas, com vencimento dentro do período de fiscalização, sejam descumpridas, o processo será convertido em falência. A recuperação extrajudicial é um procedimento simplificado e de menor custo, mas que exige negociação e entendimento prévios com boa parte dos credores. O juízo irá suspender as execuções, caso demonstrada a anuência prévia de 1/3 dos credores, e homologar o plano que conte com a anuência de mais da metade dos credores. Não haverá Assembleia Geral de Credores, nem fiscalização judicial do cumprimento do plano. Também não haverá a atuação de um administrador judicial.

Anoreg/BR – Em quais situações uma empresa deve priorizar o uso da via extrajudicial?

Daniel Carnio Costa – A recuperação extrajudicial será uma boa opção para as empresas que estejam em crise, mas sejam viáveis e possuam um bom entendimento com seus credores. Se a empresa conseguir convencer inicialmente 1/3 dos seus credores e, em 90 dias, mais da metade de seus credores, poderá ser protegida contra as execuções de todos eles e ter seu plano de recuperação homologado extrajudicialmente e imposto também aos credores dissidentes. Portanto, é ferramenta mais adequada quando a devedora tem condições de construir consensos com seus credores de maneira precoce.

Anoreg/BR – A via extrajudicial para realização de diversos trâmites empresariais – como registro de CNPJ e cobrança gratuita de dívidas – incentiva a abertura de negócios no Brasil?

Daniel Carnio Costa – A reforma da Lei 11.101/05 incentivou o uso de meios mais adequados de solução de controversas. Foi criado um sistema de pré-insolvência que estimula a negociação (mediação/conciliação) feita extrajudicialmente, mas com proteção judicial. O uso de mecanismos extrajudiciais de cobrança de dívidas e de solução de conflitos, como alternativa ao processo judicial, parece ser uma tendência. Deve-se oferecer ao jurisdicionado várias opções para proteção e realização efetiva de seus direitos, a fim de que se tutele de maneira completa o acesso à Justiça. A busca pela segurança jurídica também é importante para estimular um ambiente de negócios favorável à criação de novas empresas e riquezas no Brasil.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/BR


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