Artigo: O Protesto como instrumento de redução de ações judiciais e meio célere de solução de conflitos, por Cristina Oliveira


Paula Brito - 09/01/2019

No cenário jurídico atual muito se tem discutido acerca do crescente número de ações judiciais e sobre a efetiva necessidade de se buscar alternativas que visem a desafogar o Judiciário – já de há muito assoberbado – e permitir que esse Poder seja acionado apenas para os casos em que não se obtenha uma solução extrajudicial.

O Código de Processo Civil, atento a essa realidade, confirmou ou promoveu a desjudicialização de alguns institutos (divórcio, inventário e usucapião, por exemplo) e também impôs o dever de estímulo a outras formas de solução consensual de conflitos, judicial ou extrajudicial (art. 3, §3º, do CPC). Especificamente sobre o protesto, fez previsão desse ato em face de decisão judicial transitada em julgado (art. 517) e de pronunciamento judicial relativo à prestação alimentícia (art. 528, §1º).

Assim, com sucessivas e louváveis iniciativas, o legislador busca justamente diminuir a carga excessiva de processos judiciais, a fim de permitir que o Poder Judiciário funcione de maneira célere e adequada às aspirações de uma ordem jurídica justa.

Dentro desse escopo de procurar soluções extrajudiciais confiáveis e que possam aliviar a pletora de processos que aportam diariamente ao Poder Judiciário, as serventias extrajudiciais (cartórios) surgem como excelente possibilidade, na medida em que o serviço é executado por profissional dotado de fé pública e habilitado mediante concurso público, devendo o tabelião observar estritamente as normas legais a que está diretamente subordinado, a fim de praticar um ato hígido e isento de futuras impugnações relativas ao seu mister. Este é um dos diferenciais em relação à simples negativação do devedor em serviços de proteção ao crédito.

O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre o protesto e seus efeitos, sustentando que o fortalecimento e um maior estímulo à apresentação dos títulos e documentos de dívida para protesto constitui um caminho jurídico legítimo, célere, seguro e eficaz para o resgate dos créditos, com a redução das ações judiciais e consequente desafogo do Poder Judiciário.

O art. 1º da Lei 9.492/1997 define o protesto como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

Faz-se necessário esclarecer que o referido conceito se refere ao ato de protesto, e não ao seu procedimento. Isso porque é muito frequente que o devedor efetue o pagamento no prazo legal de três dias contados da protocolização do título, impedindo, assim, a realização do ato de protesto.

Com relação ao procedimento para protesto, a referida Lei 9.492/1997 faz a seguinte previsão, em síntese: quando um título é apresentado na serventia, o tabelião faz o seu lançamento no Livro Protocolo e, ato sequente, realiza um detido exame em seus requisitos (atividade de qualificação), recusando aqueles que apresentem vício formal ou falha procedimental. Constatada a regularidade formal, segue-se a intimação do devedor para pagar, aceitar ou devolver o título (conforme o motivo do protesto). No decorrer do procedimento pode suceder ainda uma sustação judicial do protesto (hipótese rara) ou ainda uma desistência do protesto por parte do apresentante. Não havendo pagamento, sustação ou desistência, será lavrado e registrado o protesto.

Realizado o protesto, decorrem variados efeitos jurídicos que lhe são próprios, sendo pertinente mencionar os seguintes: 1) prova a inadimplência do devedor (art. 1º da Lei 9.492/1997; 2) constitui em mora o devedor (art. 40 da Lei 9.492/1997); 3) possibilita o pedido de falência na hipótese do art. 94, § 3º, da Lei 11.101/2005; 4) promove a conservação de direitos, como sucede com o portador da duplicata para exercer direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas ( art. 13, I e § 3º, da Lei 5.494/1968); 5) interrompe a prescrição (art. 202, II, do Código Civil); 5) confere publicidade à inadimplência; 6) promove uma relevante função social, sendo parâmetro para a concessão de crédito no mercado.

Nesse contexto, percebe-se que o ato de protesto tem função probatória (provar o descumprimento da obrigação) e conservatória de direitos (protesto para fins de direito de regresso), além de constituir-se em legítimo instrumento de recuperação do crédito e, por consequência, de solução extrajudicial de conflitos.

Toda a solenidade procedimental, a saber, qualificação, intimação, desistência, pagamento e protesto, acontece no prazo de três dias úteis contados do protocolo (art. 12 da Lei 9.492/1997). Ou seja, a celeridade se manifesta no tríduo legal, e com o devido rigor da lei em vários aspectos procedimentais, proporcionando segurança jurídica.

Diante desse contexto – que concilia celeridade com segurança jurídica –  o serviço de protesto de títulos tem obtido elevados índices de recuperação do crédito. Com efeito, cerca de metade dos títulos apresentados na serventia são pagos pelo devedor no prazo de até três dias úteis contados do protocolo, tendo como consequência lógica uma redução de ações judiciais que certamente aportariam em nossos tribunais.

Assim, o tabelionato de protesto pode, efetivamente, auxiliar na redução de demandas judiciais, sendo uma forma segura, eficiente e adequada na solução de conflitos. Esse viés do serviço de protesto, a saber, meio de recuperação do crédito, não é uma capitis diminutio ao instituto. Ao contrário, além de todos os outros importantes efeitos jurídicos próprios do protesto, retrata um mecanismo legalmente previsto para o desafogo do Poder Judiciário – que controla e fiscaliza os atos praticados no âmbito da serventia extrajudicial.

Diante dessa realidade, considerando o alto índice de recuperação do crédito, a segurança jurídica de que é cercado todo procedimento e, sobretudo, visando contribuir para que o Poder Judiciário seja acionado apenas para os casos em que não se vislumbre solução extrajudicial, alvitramos a seguinte proposta a ser considerada pelo legislador ordinário, a saber: que o juiz, ao despachar a inicial da execução por quantia certa, fixe os honorários advocatícios (art. 827) e encaminhe cópia digital do título ou documento de dívida ao tabelionato de protesto, salvo se exequente manifestar desinteresse na petição inicial.

A solução alvitrada visa colaborar com a diminuição da carga excessiva e desumana de processos judiciais, utilizando-se do tabelionato de protesto como instrumento de redução das ações judiciais e meio célere de solução de conflitos. E a celeridade do procedimento (três dias) conta ainda com a possibilidade de tramitação totalmente eletrônica, nos termos autorizados pelo parágrafo único do art. 193 do CPC.

Para tanto, com o escopo de não onerar o credor, o procedimento e o protesto poderão se valer do diferimento no pagamento de emolumentos, nos termos já autorizados pelo art. 37, § 1º, da Lei 9.492/1997, caso em que seriam recolhidos no ato elisivo do protesto ou no de seu cancelamento. Em outras palavras, o credor não teria qualquer custo para protestar um título extrajudicial nos moldes reportados, eis que os emolumentos seriam recolhidos somente no pagamento da dívida, na desistência ou no cancelamento do protesto. Enquanto não houver qualquer das referidas hipóteses, não haveria recebimento dos emolumentos.

Esclareça-se que o referido diferimento no pagamento dos emolumentos talvez possa trazer algum ônus para as serventias de protesto. Mas, dentro do contexto de colaboração social – aliada ao bem sucedido índice de pagamento da dívida nos tabelionatos – emerge que as suas vantagens certamente suplantarão eventuais encargos adicionais.

Há de se registrar, ainda, que um percentual do valor recolhido pelos cartórios são destinados a receitas públicas, a exemplo do Poder Judiciário, que recebe repasse em face de taxa de fiscalização cobrada por cada ato realizado em serventia extrajudicial – tributo considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3.151). Este mais um dos diferenciais em relação à simples negativação.

Por fim, os tabelionatos de protesto contam com a Central Nacional de Protestos – CENPROT, que disponibiliza, dentre outros serviços, uma consulta gratuita (via internet) às informações sobre a existência ou inexistência de protesto, e respectivos tabelionatos. Isso significa que o usuário pode obter as informações indicativas do protesto gratuitamente.

Sem custo, cercado de segurança jurídica e com alto índice de recuperação, além dos variados e relevantes efeitos jurídicos do protesto, emerge cristalino que utilizar esse instrumento jurídico é, certamente, uma forma legítima de se buscar uma redução do número excessivo de ações judiciais, possibilitando que sejam aportados no Poder Judiciário somente os casos insanáveis em sede extrajudicial, ou, caso já haja judicialização, abreviar a realização do Direito, evitando custosos procedimentos judiciais para atingimento dos mesmos fins.

Urge a comunhão de todos no estudo da insustentável sobrecarga do Poder Judiciário, em esforço conjunto na formulação de sugestões e apresentação de críticas, tudo para subministrar o legislador na criação de instrumentos eficazes e confiáveis que possam, com efetividade e segurança, promover a solução de conflitos.

Dentro desse contexto, as razões alinhavadas são aqui apresentadas com essa finalidade, concluindo-se que o fortalecimento e um maior estímulo à apresentação dos títulos e documentos de dívida para protesto constitui um caminho jurídico legítimo, rápido, seguro e eficaz na solução de conflitos, evitando que todo e qualquer inadimplemento vislumbre na ação judicial a única providência possível.

* Cristina Mundim Moraes Oliveira – Tabeliã; Diretora Institucional da Confederação Nacional dos Notários e Registradores – CNR; Diretora Institucional da Escola Nacional de Notários e Registradores – ENNOR; Conciliadora, nos termos da Resolução 125 do CNJ; Pós-graduada em Direito Notarial e Registral; Pós-graduada em Direito Constitucional; Pós-graduada em Direito Civil; Pós-graduada em Direito Público; Pós-graduada em Direito Penal; Mestranda em Direito Constitucional.

FONTE: IEPTB-TO


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