ARTIGO - O FUTURO DA PROFISSÃO NOTARIAL - ANGELO VOLPI NETO*
Paula Brito - 28/08/2020
A evolução da espécie humana possuiu diferentes estágios civilizatórios em vários continentes. As relações pessoais começaram a sofisticar-se quando o homem passou a viver em comunidades cada vez maiores, tendo surgido a necessidade de trocar bens e, por conseguinte, documentar estas operações. Eis aí a “semente” do ofício notarial: documentar, arquivar e testemunhar.
Afortunadamente esse ofício foi sofisticando-se, adaptando-se à evolução e complexidade das relações entre pessoas, resultando no surgimento do Direito Notarial sob os auspícios de profissionais altamente capacitados que expandiram enormemente as fronteiras da profissão.
Lá se foram mais de dois mil anos de evolução intelectual em diferentes ferramentas e suportes para gravação dos fatos, desde a escrita rupestre, passando pelo couro, madeira, pergaminho e o papel.
O que esperar desta profissão cuja origem e designação é a escrita, em tempos de revolução tecnológica? Como adaptar-se à absoluta disrupção do trabalho, da economia, do comércio e do direito, diante da avassaladora ingerência da informática em tudo?
Penso que, a resposta a esta enigmática questão deva ser respondida principalmente sob duas perspectivas: a primeira é imediata, ou seja, quais ferramentas informacionais (softwares, aplicativos, funcionalidades, plataformas, etc.) podemos e devemos implementar em nossas serventias? A segunda é: onde devemos mirar nossos esforços na busca de atribuições que as máquinas não poderão nos substituir?
O AMANHÃ É HOJE.
Lendo a coluna de Ronaldo Lemos na Folha de São Paulo (13/04/20), me deparei com a reprodução da frase de 1987 de Robert Solow: “A era do computador está em toda a parte, menos nas estatísticas sobre produtividade”. A propósito, o Brasil sempre esteve no fim da fila da produtividade. E nós, tabeliães com mais de 30 anos de informatização, o quanto avançamos nesse quesito?
Tive oportunidade de viver os três tempos na lavratura de escritura, o manuscrito, o da máquina de escrever e o dos computadores. A primeira impressão que tenho é que a informática trouxe, a despeito de todo seu avanço, também uma enorme complexidade paralela, principalmente na lavratura de escrituras.
Apesar da facilidade do “copia e cola” os negócios se sofisticaram, o poder público passou a exigir uma enormidade de informações. Os softwares que usamos (back offices) foram se sofisticando e agregando funcionalidades paralelas à lavratura de escrituras.
Enfim, nunca consegui vislumbrar expressivo avanço na produtividade com a informática. Por exemplo, olhando outros setores, principalmente o bancário e o de serviços, vemos que o autoatendimento decolou. Hoje, nós usuários fazemos a maior parte do serviço dos bancários, governamentais, de companhias aéreas e muitos outros.
Acusando o golpe de Robert Solow, vejo que, se queremos evoluir devemos melhorar nossa produtividade e consequentemente nossos processos e rotinas de trabalho. O que fizeram os outros? Passaram uma boa parte do serviço para os usuários pelo chamado autoatendimento.
Há cerca de quatro anos venho fazendo experiências frustrantes em autoatendimento, dispondo em meu site formulários para preenchimento de informações diretamente nas minutas de escrituras e procurações. Sempre gostei de começar processos informacionais pelo mais simples. Assim, adicionei as escrituras menos complexas (para mim) tais como, pactos antenupciais, uniões estáveis e procurações básicas.
Mas...na prática a teoria é outra! A ideia era deixar textos fixos na minuta e alguns alteráveis – sob marcação – e outros para preenchimentos tais como qualificação, regime do casamento, poderes, etc. Tendo como exemplo os pactos antenupciais vimos que as partes ao escolher o regime do casamento (ou união) gostariam de saber os efeitos de cada um. Assim fomos abrindo “campos” explicativos sobre as consequências matrimoniais de cada um.
Porém, como sabemos, as consequências nos diferentes regimes matrimoniais têm também reflexos no regime sucessório. E assim, abrimos diferentes “campos” ou “links” para explicar as consequências na sucessão. Mas vimos também que não poderíamos deixar de explicar que é possível escolher sistemas “híbridos” de regimes de bens, separando algum imóvel, por exemplo.
E assim, o que era para ser simples ficou complicado, pois uma coisa é explicar tudo isso verbalmente para as partes no tabelionato, outra é escrever e deixar documentado toda essa complexidade num site.
Transcrevo a experiência para reflexão, paciente leitor e colega, sobre a dificuldade da mudança de processo notarial. Se por um lado isso nos dá uma certa “folga” em saber que a inteligência artificial (assunto que trataremos em outro texto) não está – neste momento – em nosso calcanhar, por outro olhamos a parede a ser escalada.
Assim, poucos clientes se dispuseram a chegar ao final da experiência, passaram logo a mão no telefone ou vieram aqui para saber melhor sobre “esse negócio complicado” que está no site.
Numa segunda fase, imaginei que os advogados poderiam preencher os dados faltantes de nossas minutas de inventários e divórcios - aos que falei da ideia demonstraram-se animados – porém, na prática raros foram os que usaram, preferindo deixar o processo aqui, e explicar ou escrever num e-mail como desejavam a partilha.
A conclusão que tivemos é que o cliente (assim como nós) sempre vai buscar o mais confortável e simples para ele. E como nosso atendimento pessoal sempre foi bom não conseguimos fazer o auto atendimento vencer.
Eu mesmo, como usuário, relutei ao máximo deixar de ir pessoalmente ao banco, e só passei a usar internet banking quando ficou mais fácil do que encontrar o gerente. É natural buscar o mais confortável. No entanto, estou convencido que nós só teremos melhor produtividade quando recebermos informações estruturadas e portanto - prontas para serem usadas nas escrituras - de nossos clientes.
O conceito de auto autoatendimento se aplica em todos os setores. Ainda não desisti! - Apesar da enorme dificuldade de encontrar empresa que o faça e o alto custo! - Vou tentar começar pelo mais básico ainda. “Totens” para preenchimento do cartão de assinatura e digitalização da identidade, deixando para o escrevente apenas conferir a veracidade desta e coletar a assinatura. Foi assim que os bancos começaram.
Vivendo num Estado onde os emolumentos sequer remuneram os serviços, a melhora na produtividade e consequente baixa nos custos é questão de sobrevivência. O futuro nos indica um consumidor extremamente pragmático e exigente, as novas gerações são e serão cada vez mais imediatistas, objetivas e diretas na busca de seu produto.
Portanto, nós notários temos que oferecer conforto na operação, simplicidade, praticidade, segurança e preço baixo. Porque se não for assim, outro fará!
*Angelo Volpi Neto - 7º Tabelião de Notas em Curitiba.
FONTE: BLOG DO DG