"OS CARTÓRIOS TERÃO PAPEL FUNDAMENTAL NA NEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS E NA PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO"


Paula Brito - 09/06/2020

A crise provocada pela pandemia do coronavírus também está afetando a relação contratual de empresas e entidades no mundo inteiro. A fim de garantir a segurança jurídica das relações contratuais, os Cartórios tomaram uma série de medidas para atender os seus usuários.

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), o advogado e professor de Direito Comercial, Armando Luiz Rovai, afirma que as partes contratantes têm de se ater ao conceito de solidariedade, promovendo ajustes nas relações com o intuito de promover a continuidade da atividade econômica.

Em entrevista à Revista Cartórios com Você, o ex-secretário Nacional do Consumidor, elogia o trabalho dos Cartórios de Protesto e fala da necessidade desse instrumento em garantir e estimular a recuperação de crédito do País. Para Rovai, “os cartórios terão papel fundamental na negociação das dívidas e na proteção da população”.

CcV - Como avalia o cenário jurídico do País com a crise do coronavírus? Já há como fazer uma previsão de como estará a sociedade após a pandemia da Covid-19?

Armando Rovai - A crise que estamos vivenciando nos últimos dias, que foi originada pelo coronavírus, já tem gerado reflexos imensuráveis nas ordens sociais, econômicas e até mesmo jurídicas. Uma vez que o sistema público e privado de saúde vem apresentando sinais de que está entrando em colapso. Não é possível realizarmos uma projeção exata, visto que o cenário de uma pandemia como esta afeta diversos setores que compõem o funcionamento do País, além da triste realidade que estamos enfrentando em âmbito social, com perdas humanas. Especificamente, no que tange ao cenário jurídico, podemos observar que passaremos por uma grave crise econômica, a qual irá atingir diretamente os empresários e os empregados, pois os estabelecimentos comerciais foram fechados, brecando o ciclo de produção e consumo. Sem o comércio aberto, o empresário não produz e se este não produzir, ele não conseguirá por muito tempo manter em dia o pagamento das contas da empresa, como também o salário dos funcionários, ocasionando a diminuição de salário em virtude da redução da jornada ou a interrupção temporária do contrato de trabalho. A realidade da pandemia no universo jurídico está preocupante, mas não podemos entrar em pânico. Tanto as autoridades administrativas, quanto a população, devem adotar medidas inéditas de superação, para que todos possam superar esta crise, de forma a obter certo controle sobre o impacto da pandemia nas relações jurídicas entre administração e administrados e entre particulares. Nosso ordenamento jurídico já possui medidas excepcionais em situações de calamidade, porém a pandemia nos provou que tais medidas tradicionais e rígidas do princípio da legalidade, precisam ser viabilizadas, o que tem sido feito, porém temos sempre que primar que tais medidas flexíveis, devem ser caracterizadas como urgentes, ou seja, as atuações administrativas normativas ou concretas devem ser excepcionais, temporárias e proporcionais, baseadas no princípio da juridicidade, sempre em prol do atingimento do interesse da coletividade, à luz da Constituição Federal.

CcV - Como enxerga a atividade contratual do país nesse momento de pandemia? Como avalia a questão do respeito aos contratos?

Armando Rovai - Neste aspecto, verifica-se que a atividade produtiva do Brasil está sofrendo forte retração, decorrente da expansão geométrica do novo coronavírus. Tratando-se de contratos, as consequências são o potencial descumprimento de cláusulas e condições dos mais diversos tipos de contratos, sejam eles, o de fornecimento de mercadorias, prestação de serviços, locação, construção civil etc. Porém o que deve ser ressaltado neste momento é que as partes contratantes têm de se ater ao conceito de solidariedade, promovendo ajustes nas relações com o intuito de promover a continuidade da atividade econômica e a diminuição da inadimplência, seguindo as diretrizes contidas no Código Civil, principalmente, com as alterações promovidas recentemente pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que traz nova redação aos artigos 421 e 421-A. Em caráter excepcional, a referida previsão legal, nos traz a tutela sinalagmática, ou seja, por se tratar de momento distinto do usual, a Justiça deve impor aos contratantes iguais sacrifícios e benefícios. De forma que haja a solidariedade entre as partes, promovendo a continuidade da atividade econômica e evitando que ocorra o enriquecimento indevido de qualquer uma das partes.

CcV - Como os cartórios podem auxiliar a amenizar os efeitos da crise do coronavírus na esfera jurídica brasileira por meio de seu trabalho de segurança jurídica?

Armando Rovai - Os Cartórios podem ter uma função bastante significativa no auxílio ao cumprimento dos contratos, uma vez que os cartórios de protestos podem promover a composição entre as partes, possibilitando um abatimento no valor do débito, a fim de garantir a manutenção dos empregos, desenvolvimento da atividade econômica interna, sempre se pautando pela solidariedade que o momento preconiza. Por fim, deve ser observado que as partes devem tentar acordos e dilações dos prazos de pagamento antes de protestar os títulos, uma vez que o protesto pode causar prejuízo ao devedor, visto que terá maiores dificuldades na obtenção de crédito, o que é de suma importância neste momento.

CcV - Durante a pandemia do coronavírus, a Corregedoria Nacional de Justiça editou dois provimentos relacionados ao Protesto de Títulos, o nº 97 e o nº 98, que permitem a virtualização dos serviços por meios eletrônicos. Como enxerga a importância desses Provimentos?

Armando Rovai - Em virtude da crise que se originou por causa da pandemia do coronavírus todas as medidas que visem à diminuição das aglomerações e deslocamentos da população devem ser vistas com bons olhos, como o caso das cobranças e protestos realizados por meio digital. Por outro lado, cabe mencionar, que o momento como já salientado deve ser de solidariedade entre as pessoas, devendo o protesto ser o último meio a ser utilizado na cobrança de dívidas, uma vez que a pessoa protestada pode ter dificuldades na obtenção de créditos pessoais, financiamentos ou empréstimos, que neste momento, podem ser essenciais para manutenção e custeio de despesas básicas. Posto isto, ressalta-se que os cartórios devem ter um papel fundamental na negociação das dívidas e na proteção da população mais necessitada, fomentando a aplicação de reduções nas dívidas, concedendo prazos dilatados para que os cidadãos possam adimplir com suas obrigações, bem como primando pela não aplicação dos juros e das multas previstas.

CcV – O protesto é a primeira atividade extrajudicial 100% digital do país, possibilitando negociações através de uma Central de Serviços Eletrônicos. Como essa virtualização do serviço e o ambiente digital podem ser úteis no processo de recuperação da economia do nosso país?

Armando Rovai - A virtualização dos serviços dos Cartórios de Protestos demonstra um avanço na forma de recuperação de créditos, por meio de uma maior eficiência e agilidade. Neste momento, este sistema auxiliará para que as pessoas possam negociar as dívidas, sendo que os credores, observando a gravidade do momento e a necessidade de solidariedade, devem conceder boas reduções para que os devedores possam adimplir com suas dívidas e recuperar a economia.

CcV - Uma das formas de ajudar na retomada da economia do país é a plena aplicação do Provimento nº 72, que dispõe sobre medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas diretamente nos cartórios de Protesto. Essa é uma forma de ajudar na retomada do cenário econômico?

Armando Rovai - Com certeza esta forma de recuperação e negociação de créditos é uma forma de recuperação da economia, porém nosso País não passa somente por uma crise econômica, mas também por uma pandemia, gerando inúmeras mortes. Posto isto, deve ser observado que as pessoas devem se unir para superar a crise, sempre tendo em vista a solidariedade e o princípio da caridade em um momento tão delicado, como já dizia Paulo de Tarso “A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não obra temerária nem precipitadamente, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade”. Ou seja, o governo, empresa e os cidadãos devem andar juntos para a superação da crise, dilatando os prazos de pagamento, concedendo descontos e abonando o que for possível para fomentar a recuperação da economia.

CcV - Do ponto de vista jurídico, o que poderia ser feito para que o País consiga superar essa crise e não avance em propostas que desrespeitam o universo dos negócios?

Armando Rovai - Sob a ótica do ponto de vista estritamente jurídico podem ser editadas normas e medidas provisórias que visem a manutenção do emprego, dilação dos prazos para pagamento dos tributos e alteração de prazos para realização de atos societários. No que concerne ao Direito Tributário observamos que o Poder Público adotou medidas e editou instruções normativas prorrogando a data de pagamento dos tributos, no caso do imposto de renda o prazo foi adiado em 3 meses, da mesma forma que ocorreu com o ICMS e o ISS. Acerca do Direito Societário, a Medida Provisória 931/20, como implemento para que haja a desburocratização dos atos societários, bem como primando pelo isolamento social e saúde da população, em seus artigos 7º, 8º e 9º alterou as redações sobre a forma de realização de reuniões e assembleias nas Sociedades Limitadas, Anônimas e Cooperativas. Esclarece-se que tal mudança legislativa permite a realização destes atos societários por meio de videoconferência, permitindo, ainda, que o sócio exerça seu direito de voto, conforme manda o diploma legal brasileiro, de maneira digital. Na área da Infraestrutura foram editadas as Medidas Provisórias 949 e 950 ambas de 2020, auxiliando o setor de Minas e Energia, estabelecendo que a União subsidiará, integralmente, a conta de luz, no período compreendido entre os meses de abril a junho deste ano, dos consumidores de baixa renda, garantido o acesso à energia para até 9 milhões de famílias.

CcV – Quais outras áreas estão sendo afetadas pela atual crise de pandemia mundial?

Armando Rovai - Na esfera do Direito Internacional verifica-se uma crise global decorrente da pandemia, podendo gerar a pior recessão econômica desde a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, segundo dados da imprensa mundial. O comércio mundial já está sendo afetado, tanto pela quebra da oferta, por causa da interrupção de fornecimento em diferentes cadeias produtivas, quanto pela demanda por causa da perda de renda e do desemprego, o que demonstra que teremos de ter um momento de união e solidariedade entre as nações. Quanto aos direitos humanos temos a situação de tentar proteger os elementos básicos da dignidade da pessoa humana e da erradicação da pobreza, sendo que o governo tem adotado medidas para preservar o emprego e auxiliar os trabalhadores que estão perdendo seus empregos ou tendo seus salários reduzidos em um momento em que o isolamento social é, extremamente, necessário.

FONTE: REVISTA CARTÓRIOS COM VOCÊ


ACOMPANHE