O que há de errado no novo cadastro?


Paula Brito - 26/04/2018

A população brasileira preocupada  com  o  “novo  cadastro  positivo”  - o  cadastro dos bons pagadores que pretende coletar automaticamente informações de  operações  como  o  uso  do  crédito  rotativo  do  cartão  e  cheque  especial,  e  de  pagamento  de  serviços  essenciais  como  conta de água e de luz - deve ser ouvida. Lidar  com  dados  pessoais  e  financeiros  de milhões de pessoas é coisa séria.

O  escândalo  Equifax,  no  qual  o  maior  birô  de  crédito  dos  Estados  Unidos sofreu vazamento de informações de 145  milhões  de  americanos,  ainda  tem  gerado intensos debates sobre incidentes de  segurança  e  regras  mais  fortes  para  proteção de dados pessoais.

O  vazamento  mostrou  que  o  direito dos EUA está despreparado para lidar adequadamente com riscos coletivos e danos desse porte.

O     caso     Facebook - Cambridge     Analytica,  que  evidenciou  uso  indevido  de informações de 87 milhões de pessoas, apenas colocou mais pimenta em uma discussão  já  existente  e  focada  em  birôs  de crédito.

O  problema  é  real,  e  a  população  se  pergunta:  por  que  abrir  mais  dados  pessoais  quando  sociedades  repensam  como protegê-los?

É certo que o substitutivo do projeto de lei do cadastro positivo na Câmara dos Deputados, tal como definido nas últimas  duas  semanas,  é  muito  superior  ao  projeto  no  Senado  de  2017.  O  Idec  (Instituto  Brasileiro  de  Defesa  do  Consumidor) foi protagonista na oposição ao antigo  projeto  e  nas  melhorias  da  atual  versão do PL 441/2017.

Foi um trabalho penoso, considerando  que  não  houve  audiência  pública  ou oportunidade de discussão democrática  do  projeto  em  comissões  de  defesa  do consumidor.

Ao  longo  dos  últimos  seis  meses,  o  instituto  trabalhou  em  aprimoramentos  voltados  aos  direitos  básicos  de  acesso  à  informação,  transparência  dos  sistemas de pontuação e manutenção das regras   de   responsabilidade   por   danos   causados  aos  consumidores,  de  acordo  com o Código de Defesa do Consumidor.

Em  fevereiro,  o  Idec  entregou  ao  Banco  Central  um  texto  de  posição  - elaborado  com  participação  de  renomados  especialistas  em  proteção  de  dados  pessoais   apontando   para   inúmeros   problemas  do  projeto  de  lei.  A  partir  de  um  intenso  trabalho  de  incidência  em  Brasília,  com  oposição  do  próprio  BC,  muitas   mudanças   pró-consumidor   foram adotadas.

Há,   no   entanto,   uma   desconfiança  generalizada  sobre  a  efetividade  desses  direitos.  Mesmo  com  a  opção  de  pedido de exclusão automática do cadastro antes que as informações possam ser transmitidas para consulentes (novo parágrafo 7o do artigo 5o da Lei 12.414/11), muitos questionam a inexistência de um verdadeiro direito de escolha.

Observa-se, também, um aumento explosivo de reclamações na plataforma   consumidor.gov.br,   do   Ministério   da  Justiça,  sobre  uso  indevido  de  dados  pessoais  por  birôs  de  crédito  (mais  de  1.000% em 3 anos).

É preciso solucionar esses problemas  já  existentes  antes  de  se  fazer  uma  ampliação maciça dos cidadãos incluídos automaticamente no cadastro positivo.

Para  o  Idec,  um  dos  agravantes  dessa  desconfiança  e  dessa  insegurança  jurídica popular é a inexistência de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e uma Autoridade Independente de Proteção de Dados.

Com  uma  legislação  forte  sobre  dados   pessoais   e   normas   executáveis   por  uma  autoridade  distinta  do  Banco  Central,  o  cadastro  positivo  geraria  menos  riscos  coletivos  em  sua  tentativa  de  democratização  das  finanças.  Teríamos,  enfim,   mais   direitos,   transparência   e   confiança.

* Rafael Zanatta é  líder  do  programa  de  direitos  digitais  do  Idec  (Instituto  Brasileiro  de  Defesa do Consumidor ) e Teresa Liporace é gerente de programas e políticas do instituto.

Fonte: Folha de São Paulo


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